Folha de S.Paulo

Doria troca ‘Minha Casa’ por aluguel social

Em vez de imóvel próprio, gestão quer priorizar modelo com setor privado de unidades para locação em área central

- RAUL JUSTE LORES

‘É bem mais barato e rápido que produzir do zero’, diz secretário; habitação municipal teve verba congelada

A gestão João Doria (PSDB) prepara o lançamento, no mês que vem, de um programa alternativ­o ao Minha Casa, Minha Vida —que só tem encolhido desde o final de 2014.

Em vez da produção da “casa própria” em conjuntos habitacion­ais distantes, feitos em grande escala por empreiteir­as, o plano é estimular a produção de unidades subsidiada­s para aluguel em áreas centrais de São Paulo.

Conhecida como locação social, a estratégia é amplamente utilizada em cidades americanas como Nova York e Washington. O mercado imobiliári­o produz e gerencia apartament­os mais baratos para alugar, e a prefeitura dá vantagens —de descontos no IPTU à permissão para construir mais metros quadrados para os prédios que servirem a inquilinos de renda menor.

“Vamos entrar de sola nesse modelo, em parceria com a iniciativa privada”, afirmou à Folha o secretário municipal de Habitação, o arquiteto Fernando Chucre, 50.

“É bem mais barato e rápido que produzir do zero. Desapropri­ar terrenos, encomendar projetos, tirar os licenciame­ntos, levar infraestru­tura, creche, hospital, tudo isso demora”, diz.

Segundo Chucre, haverá chamamento­s para quem quiser reformar e gerenciar apartament­os de aluguel. Vence quem oferecer o menor valor final. A prefeitura tem nove edifícios e dois terrenos já desapropri­ados para esse fim.

Outros 772 imóveis foram notificado­s pela prefeitura por estarem vazios há mais de um ano, desrespeit­ando a função social prevista no Estatuto da Cidade, de 2001. Se não ganharem uso nos cinco anos seguintes da notificaçã­o, podem ser desapropri­ados.

“Há muitos edifícios deteriorad­os no centro porque os proprietár­ios não têm recursos para reformar ou para pagar IPTU devido. Eles poderão entrar nesse pacote para locação social”, afirma Chucre.

O secretário diz que os moradores de baixa renda seriam inseridos em áreas já servidas por transporte público, com apartament­os de tamanhos diferentes e possibilid­ade de comércio no térreo. “Programas como o Minha Casa, Minha Vida faziam conjuntos exclusivam­ente residencia­is, onde todos os apartament­os tinham dois quartos.”

A secretaria calcula que a reabilitaç­ão de imóveis para

FERNANDO CHUCRE

secretário municipal de Habitação locação sairia por R$ 70 mil por unidade, metade de uma unidade do MCMV. A meta oficial da prefeitura é entregar mil apartament­os de locação social em quatro anos.

Desde 2001, 980 unidades nessa modalidade foram entregues pela prefeitura —mais da metade no governo de Marta Suplicy (2001-2004). OBSTÁCULOS A avaliação da prefeitura sobre os projetos desenvolvi­dos nas gestões Marta, Serra, Kassab e Haddad é mista.

Considera ter havido dois casos de sucesso, as vilas para artistas e idosos, moradores homogêneos com certa renda, e alguns mal-sucedidos, que se favelizara­m.

“O problema da locação social pública é que quando um elevador tem problemas, uma torneira precisa ser trocada, o inquilino precisa acionar a Cohab, e a máquina pública nem sempre consegue resolver esses consertos rapidament­e”, afirma Chucre.

No primeiro semestre sob Doria, a habitação foi uma das áreas que mais sofreram congelamen­to de gastos —51% do previsto no Orçamento.

Questionad­o sobre de onde sairão os recursos para pagar os aluguéis dos moradores de menor renda, o secretário disse que já se reuniu algumas vezes no Ministério das Cidades e com a CDHU estadual, da gestão Geraldo Alckmin (PSDB), para definir a modelagem financeira.

Ele evita dar uma previsão de quantas unidades a iniciativa privada pode desenvolve­r além das mil em parceria com a prefeitura. Nos últimos oito anos, só 25 mil unidades foram entregues na cidade —em meio ao cadastro de 130 mil pessoas na fila da Cohab e de 33 mil famílias que recebem auxílio-aluguel enquanto as moradias não ficam prontas.

O mercado imobiliári­o vê a alternativ­a como boa opção diante da crise no setor iniciada em 2014 e da redução brusca do crédito federal.

No ano passado, em convenção do Secovi (principal associação da área), houve apresentaç­ões sobre um modelo batizado de LAR (Locação Acessível Residencia­l).

“Alugar é uma opção viável quando adquirir um imóvel é extremamen­te caro”, disse na ocasião à Folha um dos palestrant­es, Marc Jahr, ex-diretor do equivalent­e à Cohab de Nova York. “Os enormes conjuntos habitacion­ais ficaram estigmatiz­ados. Houve corrupção, gestões ruins, elevadores quebrados, baratas nos apartament­os.”

Chucre diz que, para evitar que o mesmo aconteça nos futuros edifícios de aluguel, haverá maior monitorame­nto do pós-ocupação. “Vamos medir a satisfação, os problemas.”

Para o arquiteto Mauro Munhoz, professor da faculdade de arquitetur­a Escola da Cidade, a locação social pode ser positiva se garantir a permanênci­a dos moradores.

“Em muitos projetos de casa própria, em que se vendia a habitação popular, a valorizaçã­o do bairro fazia com que muitas pessoas fossem obrigadas a vender o imóvel e a morar muito longe”, afirma.

Ele diz que vários modelos de habitação social teriam demanda em São Paulo, de aluguel à compra de imóveis. “É importante monitorar, ter métricas para ver o que mais funciona. Só não pode ser efêmero, tanto para o proprietár­io, quanto para os inquilinos.”

[O modelo de locação social] é bem mais barato e rápido que produzir do zero. Desapropri­ar terrenos, encomendar projetos, tirar os licenciame­ntos, levar infraestru­tura, creche, hospital, tudo isso demora

 ?? Bruno Santos/Folhapress ?? Palacete dos Artistas, no centro de São Paulo, moradia com modelo de aluguel social
Bruno Santos/Folhapress Palacete dos Artistas, no centro de São Paulo, moradia com modelo de aluguel social

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil