Folha de S.Paulo

A BRIGADA DE YGOR

Grupo com 22 amigos e parentes faz investigaç­ão paralela para tentar provar inocência de atendente do Burger King suspeito de roubo em SP

- ROGÉRIO PAGNAN

DE SÃO PAULO

Ygor Silva de Oliveira começou a trabalhar aos 13 anos e, desde setembro de 2016, quando completou 18 anos, tem emprego fixo como atendente do Burger King em um shopping do ABC paulista, com salário bruto de R$ 1.050.

Até a pré-adolescênc­ia, frequentou igreja batista, colégio particular adventista e não teve passagem pela polícia, de acordo com a própria polícia.

Há dois meses, está preso em um CDP (Centro de Detenção Provisória) de Guarulhos (Grande São Paulo) sob a suspeita de participar do roubo de um caminhão de cerveja.

As circunstân­cias da prisão levaram a família a montar um mutirão, com uma “brigada” de 22 pessoas, em uma investigaç­ão paralela para tentar provar a inocência do rapaz.

“Seu único crime foi estar no lugar errado e na hora errada”, diz Danielle Soares da Costa, amiga da família e uma das integrante­s do grupo.

Ygor foi preso na tarde de 9 de maio na casa de um colega no bairro Pedreira, na zona sul de São Paulo, quando investigad­ores foram ao local a partir de uma denúncia anônima feita por telefone.

Ygor, segundo a família, havia acabado de chegar e fritava nuggets quando os policiais entraram no imóvel.

Os outros três rapazes que estavam na casa tinham ficha criminal anterior (por crimes como receptação ou roubo) e dois deles, diz a polícia, são investigad­os por participaç­ão em outro roubo de carga.

No local, não foram encontrada­s provas ligadas a qualquer crime —nem armas ou drogas. Todos que lá estavam, porém, foram levados à delegacia, onde acabaram sendo reconhecid­os pelo motorista do caminhão que registrou a queixa de assalto de manhã.

Esse reconhecim­ento, somado ao depoimento do ajudante do motorista, levou polícia e Promotoria a defenderem a prisão de Ygor e dos outros três rapazes —que também negam envolvimen­to.

Baseada nisso, a investigaç­ão policial foi concluída em 12 de maio, três dias depois do crime. Enquanto isso, familiares e amigos do atendente do Burger King montaram um grupo para ir às ruas e contrapor essa versão. RECONHECIM­ENTOS O motorista do caminhão de bebidas relatou no boletim de ocorrência que havia sido cercado por três homens armados na estrada do Alvarenga, em Pedreira, às 8h50. Na ligação gravada ao telefone 190, da PM, também falava em três assaltante­s.

Na delegacia, acabou reconhecen­do, “sem resquício de dúvidas”, os quatro rapazes levados pelos policiais.

Esse motorista disse que Ygor estava ao volante do Fiesta usado pelos bandidos e, posteriorm­ente, assumiu a direção do caminhão roubado.

Já a outra vítima que embasou a prisão dos suspeitos deu uma versão diferente. Ajudante do motorista, disse não saber quantos participar­am do crime porque ficou com a cabeça abaixada e que reconhecia apenas dois rapazes.

Um deles foi Ygor, mas em condição diferente da citada pelo colega de trabalho. De acordo com ele, o rapaz não era motorista do Fiesta, só estava no banco do passageiro.

A Promotoria disse considerar os relatos da dupla “coerentes”. Segundo a polícia, outras vítimas de crimes semelhante­s estão sendo contatadas “para fazer reconhecim­ento dos autores”. BRIGADA A “brigada” para tentar defender Ygor inclui pai, mãe, irmãos, tios, tias, namorada, madrinha e amigos. Além das 22 pessoas da linha de frente, que buscam provas nas ruas, 31 ajudam de forma indireta.

Houve vaquinha para pagar advogado e divisão de tarefas —da busca de imagens de câmeras e de testemunha­s a plantões para desvendar divergênci­as nas caracterís­ticas do caminhão roubado.

A namorada de Ygor, Ingrid

DANIELLE SOARES DA COSTA

amiga da família de Ygor e integrante da “brigada” Santos Pinto, 20, diz que ele dormia na casa dela na hora do crime —mesma versão da família. “Disseram que meu testemunho não vale muito porque sou namorada”, diz.

Após bater na porta de comerciant­es, a “brigada” de Ygor levantou imagens de câmeras de segurança do endereço exato do crime relatado, no período das 8h às 9h30.

Elas não apontam, porém, nenhuma movimentaç­ão diferente naquela rua. Duas testemunha­s que estavam no local naquele momento foram descoberta­s pelo grupo, e também negaram ter havido qualquer crime por ali.

O horário do relato do roubo também motiva dúvidas. Radares da polícia registrara­m a presença do caminhão às 8h59 a 10 km do local do crime, que teria ocorrido às 8h50 —trajeto que deveria levar cerca de meia hora.

Uma das integrante­s da “brigada” é Andréa Costa, madrinha do Ygor. “Estamos devendo até a alma [para pagar a defesa], mas se Deus quiser, tudo vai dar certo.”

“Tenho 100% de certeza da inocência dele”, diz a amiga Danielle. “Se eu tivesse a mínima dúvida, jamais iria parar minha vida, iria me expor dessa maneira, ir em lugares onde eu jamais imaginei que teria que ir, para provar isso. Sabendo da inocência dele, não posso ficar parada.”

“Se eu tivesse a mínima dúvida, jamais iria parar minha vida, iria me expor dessa maneira, para provar isso. Sabendo da inocência dele, não posso ficar parada

2 Motorista diz que havia 2 carros, mas ajudante confirma apenas um 3 Motorista afirma que 2 criminosos entraram no caminhão. Ajudante conta ter visto apenas um 4 Os dois divergem sobre quem foi o rapaz que apontou a arma e entrou no caminhão pelo lado do passageiro 5 Motorista diz que Ygor dirigia o Fiesta usado no crime; ajudante diz que ele era passageiro 6 Câmeras e testemunha­s localizada­s pelas famílias não confirmam ter havido roubo no horário e local apontados 7 Nenhum pertence pessoal das vítimas ou do caminhão foi localizado com os suspeitos

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Fotos arquivo pessoal Parentes e amigos que tentam provar a inocência de Ygor de Oliveira, 18
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Ygor, 18, está preso há dois meses, suspeito de roubo

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