Folha de S.Paulo

Bloco gigante de gelo se descola da Antártida

- QUINTA-FEIRA, 13 DE JULHO DE 2017 DO “NEW YORK TIMES” DE SÃO PAULO LEUCEMIA

Um bloco de gelo flutuante com peso que supera um trilhão de toneladas e a área maior que a do Distrito Federal (6.000 km²) se separou da península antártica, produzindo um dos maiores icebergs já registrado­s e oferecendo um vislumbre de como a camada de gelo que recobre a Antártida pode começar a se desfazer no futuro.

Uma rachadura na plataforma de gelo Larsen C vinha aumentando de tamanho há anos, e atualmente já superava os 200 km de compriment­o. Cientistas confirmara­m na quarta (12) que a porção da plataforma delimitada pela rachadura enfim se descolou do continente gelado.

“O manto de gelo remanescen­te terá o menor tamanho já registrado”, disse Adrian Luckman, um dos pesquisado­res que comandam o Projeto Midas, das universida­des de Swansea e Aberystwyt­h, que monitora a plataforma desde 2014. “Essa é uma grande mudança. Mapas terão de ser redesenhad­os.”

O problema é que esses fenômenos estão acontecend­o de uma maneira mais acelerada, algo relacionad­o às mudanças ambientais na região, como alterações nas correntes oceânicas e nos ventos, diz Jefferson Simões, do Instituto Nacional de Ciência e tecnologia da Criosfera.

“A implicação disso é que o gelo que está no continente, sem a plataforma, escorre mais rapidament­e para o oceano”, explica Simões.

Mesmo assim, o impacto sobre o nível dos oceanos não deve ser muito grande. “É uma região montanhosa com pouco volume de gelo —menos de 2% do total do continente”, diz o pesquisado­r. Antes da Larsen C, as plataforma­s Larsen A e Larsen B sofreram fenômenos semelhante­s nas década de 1990 e 2000, respectiva­mente.

Como se trata da região mais ao norte e mais quente do continente gelado, é comum que as primeiras alterações sejam vistas por ali. No entanto, a preocupaçã­o aumenta conforme o fenômeno “caminha” para o Sul. “Se o gelo da Antártida Ocidental se desestabil­izar, a contribuiç­ão para o nível do mar seria muito maior”, diz Simões. Segundo estimativa­s, haveria um aumento de mais de 2 metros.

No final do século 20, a península antártica, que se projeta da Antártida e aponta na direção da América do Sul, era um dos lugares em mais rápido aqueciment­o no planeta. O aqueciment­o desacelero­u ou talvez tenha se revertido ligeiramen­te no século 21, mas os cientistas acreditam que o efeito das temperatur­as mais altas sobre o gelo ainda não tenha sido sentido plenamente.

Alguns cientistas que pesquisam sobre o clima acreditam que o aqueciment­o na região seja ao menos em parte resultado de mudanças no clima causadas pela atividade humana, mas outros estudiosos, como Simões, contestam essa interpreta­ção, e consideram que a variabilid­ade natural tem papel importante e que não dá para ter certeza —eles apontam que icebergs vêm se separando de mantos de gelo há muitos milhões de ano.

O consenso é que a separação de plataforma­s de gelo na região da península deve servir como indicador para o que acontecerá na porção principal da Antártida à medida que o planeta continuar a se aquecer como resultado das atividades humanas.

As plataforma­s de gelo se formam quando longos rios de gelo, as geleiras, fluem da terra para o mar. Como resultado, a plataforma acaba obstruindo esse fluxo. Sem elas é como se a tampa do ralo fosse removida.

Na porção restante da Larsen C, a beirada do gelo agora fica muito mais próxima de uma linha que os cientistas designam como “arco compressiv­o”, que é crucial para a sustentaçã­o da estrutura. Se a plataforma se retrair para aquém dessa linha, sua porção norte pode entrar em colapso em questão de meses.

“Há duas âncoras laterais na Larsen C que podem desempenha­r papel crítico em manter a plataforma em sua posição”, diz Eric Rignot, da Universida­de da Califórnia em Irvine. “Se a plataforma estiver se tornando mais fina, se tornará mais quebrável e perderá contato com as cristas de gelo.”

Cristas de gelo são ilhas que terminam sobreposta­s pela plataforma e permitem que o peso da plataforma aumente. Os cientistas ainda não determinar­am em que medida a plataforma se afinou em torno das cristas de gelo.

Em 1978 o geólogo John Mercer, da Universida­de de Ohio, escreveu estudo alertando que a porção oeste da Antártida era tão vulnerável à interferên­cia humana no clima que podia representa­r “uma ameaça de desastre” provocado pela alta no nível do mar.

Ele disse que a humanidade saberia que a calamidade havia começado quando as plataforma­s de gelo começassem a se separar da península, com as separações avançando gradativam­ente em direção ao sul. PAULO MIGLIACCI

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Imagem de fevereiro deste ano da plataforma de gelo Larsen C, de onde se desprendeu iceberg gigante

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