Folha de S.Paulo

Descoberta do ‘SDJB’

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RIO DE JANEIRO -Foi no tempo em que as mães costuravam, tricotavam, bordavam, chuleavam, subiam bainhas e eram mestras em outras artes, hoje extintas (as artes, não as mães). A minha fazia tudo isso e produzia saias, vestidos e camisas a partir dos moldes —chamavam-se moldes— que vinham impressos nos jornais. Alguns destes tinham um costureiro entre os colaborado­res, para criar-lhes figurinos exclusivos. O do “Jornal do Brasil”, em fins dos anos 1950, era Gil Brandão.

Os moldes eram desenhos representa­ndo as partes da roupa que se iria fazer. As mães os recortavam do jornal e aplicavam sobre o tecido, o qual era riscado com giz de alfaiate e cortado com grossas tesouras dentadas. No caso das mangas, os moldes precisavam ser duplicados e, para isso, as mães podiam usar outras partes do jornal. Os garotos fincavam os cotovelos na mesa e observavam suas mães se entregando àquela tarefa. Alguns saíram estilistas. Eu saí leitor do “Suplemento Dominical do Jornal do Brasil”.

Tudo porque, um dia, ao passar os olhos sobre o que estava impresso nas costas de um molde, encontrei o começo de um manifesto neoconcret­o por Ferreira Gullar. Catei entre os moldes o resto do artigo e fui achá-lo modelando as golas de um vestidosac­o. Em outro molde, este de uma saia-balão, descobri uma polêmica entre Augusto de Campos e o jornalista Oliveira Bastos, um negando e outro afirmando a semelhança entre um poema concreto e um joguinho de palavras cruzadas.

Pois foi ali, pesquisand­o entre os moldes de minha mãe, que descobri Mario Faustino, Mario Pedrosa, Reynaldo Jardim, Lygia Clark, Glauber Rocha, Paulo Francis, Décio Pignatari, José Lino Grünewald.

Cultura e costura podiam se confundir. No “SDJB” de 17/2/1957, por exemplo, havia um poema de Wlademir Dias-Pino, “A Ave”. Igualzinho aos moldes do Gil Brandão. PABLO ORTELLADO ANDRÉ SINGER

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