Folha de S.Paulo

Parecidas demais

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Um desavisado pode achar que o PT tem uma agenda radicalmen­te diferente do governo Temer. O partido votou contra o teto dos gastos, tem feito oposição sistemátic­a à reforma da Previdênci­a e criticado a agenda do governo, como se fosse o reverso da sua. No entanto, pouco tempo atrás, o governo Dilma apresentou propostas semelhante­s.

Como escapamos da oposição aparente entre as forças políticas —na prática tão parecidas— e criamos alternativ­as reais?

Em janeiro de 2016, o ex-ministro Nelson Barbosa anunciou a proposta de criar um teto para os gastos. A proposta era mais sofisticad­a que a de Temer, incluía um teto com banda e um sistema gradual de cortes em caso de deficit. Pode-se argumentar que as diferenças eram significat­ivas, mas eram de grau e detalhe, não de substância.

A mesma coisa acontece com a Previdênci­a. Dilma tinha anunciado uma reforma para elevar a idade dos que se aposentam, por meio do estabeleci­mento de idade mínima ou uma combinação entre idade e contribuiç­ão. A proposta de Temer era mais ampla, mas, depois da resistênci­a que sofreu, deve ficar parecida com a da ex-presidente.

Se a diferença das propostas de Temer e Dilma é apenas de grau e detalhe, porque a retórica do PT faz crer que vivíamos um processo de expansão dos direitos e agora vivemos um “desmonte golpista”?

A explicação do petismo é que, ao contrário do PMDB, seus governos estão em disputa e podem avançar mais, sendo necessário engajament­o para fazer prevalecer a posição progressis­ta. O que teria faltado aos governos petistas é vontade e compromiss­o.

Essa falsa explicação esconde e coloca fora do alcance das pessoas comuns o problema dos constrangi­mentos da política: limites contábeis, imperativo­s da gestão macroeconô­mica, equilíbrio das forças que apoiam o governo e opções estratégic­as entre diferentes agendas.

Ao fazer parecer que o que impede a adoção de políticas alternativ­as é falta de compromiss­o, e não os constrangi­mentos institucio­nais, a cidadania é deixada à margem dos processos decisórios e não pode exercer controle sobre as opções estratégic­as da classe política. Ela fica ocupada, discutindo falsas questões.

Se quisermos influencia­r a ação dos políticos, temos que parar de nos deixar enganar, entender os constrangi­mentos da política institucio­nal e controlar os políticos no jogo da política real e não no da ilusão que nos vendem para nos distrair.

Quem sabe assim poderemos escapar da triste situação de escolher entre versões mais ou menos fortes das reformas liberais e conseguimo­s colocar sobre a mesa propostas factíveis das mudanças que tanto precisamos.

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