Defesa de Cabral lança dúvida sobre doleiros
Ex-governador do Rio tenta explorar brechas de relato dos principais delatores do esquema que o levou à cadeia
Embora reconheça erros, Cabral considera que lhe são atribuídos mais desvios para proteger outros
Nas quase três horas que falou ao juiz Marcelo Bretas em dois depoimentos na semana passada, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) tentou se desfazer da imagem de “ladrão número um” do país. Citou Jânio Quadros, Tancredo Neves, Mário de Andrade e vaticinou: “Não matei Odete Roitman”, numa referência à célebre personagem da novela das 20h da TV Globo no fim da década de 80.
A estratégia de defesa do peemedebista busca colocar em dúvida o relato dos doleiros Renato e Marcelo Chebar, principais delatores do esquema. Os irmãos Chebar se apresentaram ao Ministério Público Federal após a prisão de Cabral, em novembro, declarando ter em seus nomes contas no exterior com cerca de US$ 100 milhões, cujo real dono era o ex-governador.
A maior parte da fortuna foi repatriada e devolvida pelos próprios doleiros. Eles também mudaram algumas vezes a versão sobre a divisão do dinheiro em seu poder. No fim, ficaram com cerca de US$ 11 milhões, após comprovar ao MPF ter origem lícita –o restante, foi atribuído a Cabral. “O que esses irmãos Chebar contaram é verossímil, mas não é verdadeiro. Isso é muito perigoso”, declarou o ex-governador.
Ele buscou explorar o relato por vezes confuso dos irmãos para tentar se desvincular das centenas de milhões de reais que lhe são atribuídos. Assumiu que os dois administravam no Brasil sobras de caixa dois de campanha eleitoral de que se apropriou ao longo dos anos. Mas negou ter conta no exterior e cobrar 5% de propina sobre os contratos do Estado.
“Se os dois irmãos morrem? Imagina se vou deixar US$ 120 milhões com dois irmãos sem um documento, sem nenhuma garantia. Morreram Renato e Marcelo, passam a ser titular desta conta os filhos e herdeiros? Desconheço o modus operandi deles”, disse Cabral.
A dúvida, contudo, se aplica aos recursos no país reconhecidos por Cabral e administrados pelos irmãos. PROVAS A força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio afirma que movimentações nas contas do exterior foram feitas em favor de Cabral e que a planilha entregue pelos doleiros de gastos de R$ 39 milhões entre 2014 e 2015 revelou despesas que, depois, foram confirmadas como sendo do político.
Procuradores dizem ainda que há provas de pagamentos fora de anos eleitorais, o que descaracterizaria os repasses como caixa dois.
“Isso pode ter ocorrido por força de algum tipo de complementação de acordo de campanha eleitoral. Mas não me recordo”, disse o réu.
O ex-governador também buscou se desvincular de Carlos Emanuel Miranda e Luiz Carlos Bezerra, intermediários, segundo a acusação, entre ele e os irmãos Chebar. O primeiro, de acordo com o MPF, era o principal responsável por determinar os pagamentos de despesas pessoais de Cabral.
“Ao Carlos Miranda estão dando uma dimensão... ‘Operador financeiro’. Me ajudava ali...”, disse Cabral.
Despesas de Cabral foram pagas por Chebar, tais como voos de helicóptero, pacotes turísticos e joias. Mas o peemedebista não confirma todas as descritas pelos Chebar.
O peemedebista afirma ser vítima de acusações falsas que, de tão frequentes, se tornaram verossímeis.
Embora reconheça seus “erros”, considera que lhe atribuem mais do que desviou, com o objetivo de ocultar crimes de outras pessoas.