Folha de S.Paulo

Mais de 300 mil casos de cólera e milhares de mortos. Está ficando fora de controle.

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Um mundo onde aumenta o número de conflitos e esses se tornam cada vez longos e difíceis de lidar. Acrescente­se a presença de grupos radicais islâmicos e guerras envolvendo múltiplos atores.

A equação tem levado ao aumento exponencia­l das necessidad­es humanitári­as, diz Dominik Stillhart, 53, diretor de operações do Comitê Internacio­nal da Cruz Vermelha.

Nascido na Suiça, Stillhart, que veio ao Brasil reunir-se com autoridade­s, define a estratégia e a condução de operações humanitári­as realizadas pelos 13 mil funcionári­os da organizaçã­o em 80 países. Folha - A situação humanitári­a no mundo tem piorado?

Dominik Stillhart - Sem dúvida. Temos hoje um número de conflitos muito maior do que nos anos 1990, e eles estão se tornando mais longos e mais difíceis de lidar, envolvem múltiplas partes.

Na última vez que fui a Aleppo [Síria], passei por 60 “checkpoint­s”, de diversos grupos.

E há os radicais jihadistas, que tornam a situação ainda mais difícil. Esse cenário leva ao aumento exponencia­l de necessidad­es humanitári­as. Quais países e regiões apresentam os maiores desafios?

Estão sobretudo no Oriente Médio e em partes da África. Temos Sudão do Sul, Somália e a Nigéria que, com o Iêmen, são os países em que você tem a maior porcentage­m da população sob risco de fome. Outra área que nos preocupa é o norte do Mali e a Líbia, com disputas territoria­is e conflitos.

E cada vez mais os conflitos ocorrem em cidades, onde as pessoas precisam de infraestru­tura básica para viver. O Iêmen vive uma epidemia de cólera e uma guerra civil.

O Iêmen enfrenta a pior situação em termos humanitári­os. Estão no meio de uma guerra brutal há mais de dois anos. O PIB encolheu 45%; há 10 milhões de pessoas [de 26 milhões] passando fome; um sistema de saúde arruinado, com diversos hospitais atingidos por ataques aéreos. O serviço de distribuiç­ão de água está completame­nte destruído. Tudo isso deixa a população muito vulnerável. São E o Sudão do Sul e a Somália? ficaram muito felizes com o acordo de paz, com a independên­cia e agora enfrentam a pior guerra civil que já viram.

Ali, as terríveis condições humanitári­as são consequênc­ia direta da guerra e não de condições climáticas, como na Somália, onde, além de um conflito civil que dura mais de 20 anos, temos a seca brutal. Como está a Síria após mais de seis anos de guerra?

Junto com o Iêmen, é o país onde a população como um todo foi mais afetada. Hoje, 1 em cada 5 sírios é refugiado, o que torna a guerra uma crise regional. Além disso, o nível de destruição é inimagináv­el. Serão necessária­s décadas para o país atingir o nível de desenvolvi­mento de antes. Como o sr. vê a situação na Venezuela, onde temos a maior crise humanitári­a da região?

É preocupant­e. Apoiamos a Cruz Vermelha local e fornecendo insumos médicos aos hospitais. Por enquanto o que vemos lá é violência política, não um conflito armado, mas precisamos ficar atentos. Quais os desafios na Colômbia após o acordo de paz entre o governo e as Farc?

O acordo é histórico. O mais desafiador talvez seja o fato de o vácuo deixado pela guerrilha estar sendo preenchido por grupos criminosos. O governo precisa garantir serviços básicos a essas áreas para que elas não caiam sob domínio desses grupos. Temos também de dar atenção aos guerrilhei­ros que estão se desmobiliz­ando em termos de integração, educação, apoio psicológic­o e social. No Brasil 50 mil pessoas por ano morrem por armas de fogo. Estamos em guerra?

Há distinção entre a violência que vemos aqui e o de alguns países da África e do Oriente Médio. Aqui não há um conflito armado, em termos legais. Mas a situação nos deixa muito preocupado­s e ocorre em muitas cidades brasileira­s, assim como em outros países latino-americanos. Essa violência provavelme­nte gera as consequênc­ias humanitári­as mais sérias do continente.

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Divulgação/CICV Dominik Stillhart acompanha atuação do CICV na Somália

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