Folha de S.Paulo

Em projeto social, tatuador doa desenhos para cobrir cicatrizes

- ANTONIO MAMMI

A blusa revela o que parece ser a alça de um sutiã no ombro de Wanessa Aparecida da Silva, 35. Ela não hesita em mostrar, por baixo da roupa, uma flor adornando o seio completame­nte reconstruí­do. Submetida a uma mastectomi­a radical, Wanessa é uma das beneficiár­ias do Marcas da Vida, projeto do tatuador Carlos Galina, 31.

Baseado em Pouso Alegre (MG), Galina cobre cicatrizes de pessoas que não têm como pagar pelo serviço desde 2015. O tatuador não recebe nada pelo trabalho e, até pouco tempo atrás, chegava a pagar pelas tintas e equipament­os necessário­s para fazer os desenhos. Há um ano, fez uma parceria com uma empresa do ramo, que passou a contribuir com os insumos.

Galina tatua desde os 16 anos, mas faz pouco tempo que passou a se dedicar exclusivam­ente à profissão. Antes vitralista, há quatro anos trocou de vez as igrejas do sul de Minas Gerais pela epiderme dos clientes.

Entre queimadura­s, talhos de faca e cicatrizes de cirurgias, Galina estima ter atendido cerca de 30 pessoas de graça. Se cobrasse, os preços dificilmen­te seriam inferiores a R$ 1.000. Segundo o tatuador, os desenhos são mais trabalhoso­s que as tatuagens convencion­ais.

“Tatuar pele lisa é como dirigir em pista asfaltada, a possibilid­ade de erro é menor. Cicatriz é estrada de terra”, diz. DE LONGE Para entender a consistênc­ia de queloides e afins, Galina estudou livros de dermatolog­ia. À medida em que o projeto se consolidav­a, médicos da cidade chegaram a encaminhar aos cuidados do tatuador os pacientes egressos do pós-operatório.

A fama se disseminou a ponto de, semanas atrás, uma cearense de Itapipoca ter viajado cerca de 3.000 km para bater à porta de Galina. A mulher tinha sido vítima de um incêndio quando criança —o que lhe valeu uma queimadura que cobria toda a perna direita e parte do abdômen. Hoje, sobre a lesão brota uma roseira de 40 cm.

Para evitar aproveitad­ores, Galina estabelece­u critérios para os tipos de marcas elegíveis para o projeto: não aceita abdominopl­astias, cicatrizes de cesariana nem estrias. A lesão tem que decorrer de algo “traumático”.

“Outro dia apareceu um cara com marca de vacina pedindo uma tatuagem igual à do The Rock [ator americano], que cobre o braço todo. Aí não dá”, esclarece.

Galina está em São Paulo para participar da Tattoo Week, convenção que ocorre neste fim de semana no Expo Center Norte. A ideia é lançar o Marcas da Vida em âmbito nacional. Ele já captou doações de dez empresas para ampliar o projeto.

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Zanone Fraissat/Folhapress Wanessa Aparecida da Silva, atendida pelo tatuador Carlos Galina, 31, do Marcas da Vida

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