Folha de S.Paulo

Mostra em NY encerra turnê de Oiticica

Após passar por Pittsburgh e Chicago, panorâmica no museu Whitney reúne obras dos anos dos anos 1950 aos 70

- MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

‘To Organize Delirium’ leva ‘Bólides’, ‘Tropicália’ e ‘Coscomococ­as’ à cidade onde o artista viveu por sete anos

Com a abertura da exposição “To Organize Delirium” (organizar o delírio) de Hélio Oiticica, na sexta (14), no Museu Whitney, a arte brasileira ocupa espaço privilegia­do no circuito nova-iorquino.

Além do artista carioca, o museu Met Breuer exibe até o dia 23 uma panorâmica da obra de Lygia Pape —e as galerias Lelong e Driscoll Babcock apresentam artífices do construtiv­ismo brasileiro, em exposições do Grupo Frente e da concretist­a Judith Lauand.

A mostra de Oiticica encerra na cidade uma turnê que veio de Pittsburgh e Chicago. Reúne obras que vão das incursões geométrica­s, da década de 1950, aos trabalhos do final dos anos 1970, passando pela imensidão criativa, inquietant­e e transgress­ora desse artista incomum, cuja influência tornou-se incontorná­vel.

HO não tinha completado 20 anos quando participou da Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada em 1956, em São Paulo, e 1957, no Rio. A partir de 1959, sua produção geométrica começou a deixar a superfície plana para lançar-se no espaço, em trabalhos como os “Relevos Espaciais” e os “Bilaterais”.

Essa linha, marcada pelo interesse pela cor, desdobrou-se nos “Bólides” — enigmática­s caixas de madeira e recipiente­s de vidro preenchido­s com pigmentos e acrescidos de materiais retirados de sua realidade funcional ou natural.

Em meados dos anos 1960, época de rebeldia, reincorpor­ação da ideia de vanguarda e alargament­o de fronteiras estéticas, ele estreitou o entrelaçam­ento entre arte e vida. Começou a frequentar o morro da Mangueira e a propor trabalhos que convidavam ao envolvimen­to sensorial e corporal, como os “Parangolés”.

Mergulhado no mundo da cultura popular carioca, Oiticica usava a arquitetur­a precária e engenhosa das favelas como inspiração para suas obras —caso da célebre “Tropicália”, de 1967, que deu título à canção de Caetano Veloso.

Em anos de ditadura militar, manifestav­a um tipo de transgress­ão que não era da ordem apolínea do operariado industrial e da revolução marxista, mas da desordem dionisíaca do morro, do samba, dos homossexua­is e da marginalid­ade.

“Seja marginal, seja herói”, dizia seu famoso poema-bandeira, de 1968, sob uma foto do corpo do bandido Cara de Cavalo. A obra serviu de cenário para o show tropicalis­ta da boate Sucata, em São Paulo, que levou Caetano e Gilberto Gil à prisão. EXPERIMENT­ALISMO Depois de passar um ano em Londres (em 1969), Oiticica, com uma bolsa da Fundação Guggenheim, partiu para Nova York, em dezembro de 1970 —onde viveu durante sete anos.

Há uma sala da mostra dedicada àqueles tempos de intenso experiment­alismo, marcados pela contracult­ura e por trabalhos como as “Cosmococas”, em parceria com o cineasta Neville de Almeida, e os “Ninhos” (estes, a lamentar, ausentes exposição).

“É um período vasto e ainda pouco compreendi­do”, diz Cesar Oiticica Filho, sobrinho do artista. Fred Coelho, que juntamente com Cesar compilou em livro alguns textos nova-iorquinos do artista, foi convidado para participar da montagem dessa seção —selecionou documentos e ajudou a formatar seu conceito expositivo.

“Ele fez muita coisa em Nova York. Deixou filmes inacabados, escritos e o projeto do livro ‘Novaiorkai­se’. Fez também novos ‘Parangolés’, agora com materiais diferentes, mais industriai­s, e deixou projetos para obras ainda não realizadas”, diz Fred.

Oiticica deixou sua obra e seus projetos minuciosam­ente ordenados. Artista-crítico, um formulador de ideias, era obcecado pelo registro e catalogaçã­o de seus trabalhos.

Como alguns outros de sua geração, conciliou o “delírio” com o rigor e a discussão conceitual —uma herança, ao menos em parte, da influência concretist­a.

Quando retornou ao Brasil, em 1978, Oiticica declarou que estava no “prólogo” de sua carreira. Dois anos depois, morreu, aos 42, vitimado por um AVC, em seu apartament­o no Rio de Janeiro.

 ?? Laura Bonilla - 12.jul.2017/AFP ?? Visitante na prévia da exposição do Whitney, em NY, que reúne obras do artista Hélio Oiticica
Laura Bonilla - 12.jul.2017/AFP Visitante na prévia da exposição do Whitney, em NY, que reúne obras do artista Hélio Oiticica

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