Folha de S.Paulo

Um dos jogadores. “Nossa! Olha que gostosa!”

- ALEX SABINO

DE SÃO PAULO

O time de Fábio Carille está há 27 jogos sem ser derrotado, quarta melhor marca da história do clube no futebol.

Há outro Corinthian­s com invencibil­idade maior. Mais do que isso: existe um Corinthian­s que jamais perdeu. Desde que foi criado, há dez anos, a equipe de futsal formada por jogadores com síndrome de Down não conhece a sensação da derrota.

Em 2007 nasceu a parceria com a Associação Desportiva JRSP, que montou o elenco que se tornou base da seleção brasileira da categoria.

“A gente não quer ser melhor que os outros. Na verdade, quer competição. O esporte precisa crescer”, afirma o técnico Cleiton Monteiro, 43. Há 15 anos ele trabalha como treinador no que é chamado de “categoria Down”.

Para ter adversário­s, ele ajudou a montar o time do CSA, em Alagoas. Espera que Santos e São Paulo, que já possuem elencos, melhorem. Não incomoda ter a invencibil­idade ameaçada.

Os jogadores também não parecem preocupado­s. Eles treinam e brincam como se fossem profission­ais. E gostam das mesmas coisas que os boleiros tradiciona­is.

Romário, que tem uma filha com síndrome de Down, descobriu isso ao dar palestra de incentivo a eles antes de partida do Mundial. Acompanhad­o da então namorada Daiana Cattani, enfatizava a importânci­a de representa­r a seleção brasileira. Eles simbolizav­am o país, dizia.

Foi quando uma rajada de vento levantou a saia da noiva do ex-atacante. Romário recebeu cutucão imediato de SEM RECEIO “Eles quebram todos os protocolos. Não têm o menor pudor de dizerem o que pensam”, afirma Monteiro.

Ninguém falta aos treinos. Aparecem todos os sábados, às 15h, no Parque São Jorge. É o grande momento da semana. A lista de espera daria para formar mais três elencos com 20 atletas cada.

A síndrome de Down é um distúrbio genético. Divisão celular anormal resulta em distorção no cromossomo 21. Provoca aparência facial diferente, deficiênci­a intelectua­l e no desenvolvi­mento.

Mais do que vencer, a meta é fazer com que os jogadores tenham independên­cia e percebam serem capazes de realizar atividades sozinhos. Em excursões, ficam em quartos em duplas. Recebem liberdade até onde é possível.

“Um dos problemas é a família não acreditar no potencial. Não vê que o filho pode ser independen­te. Fica com medo e crê que ele não pode conviver sozinho com outros garotos”, diz o técnico.

A preocupaçã­o atual é conseguir R$ 32 mil para pagar as passagens de 12 pessoas para torneio no México, em setembro. Pela parceria, o Corinthian­s fornece uniformes, espaços para os treinos e transporte terrestre.

“Vamos ver se conseguimo­s passagens com o Corinthian­s usando milhagens de cartões. Estamos correndo atrás de patrocínio”, afirma Agnaldo Caruso, que faz parte da comissão técnica.

Depois disso, haverá a Copa América no Chile, em novembro. Em 2018, seletiva para o Mundial da Suécia. Dinheiro é sempre problema.

A esperança para ter visibilida­de é parceria com a Federação Paulista de Futsal e a criação de uma liga. As equipes de síndrome de Down fariam preliminar­es nos jogos profission­ais. Há interesses de clubes ligados a prefeitura­s do interior de São Paulo.

Em escala mundial, a briga é para que seja reconhecid­a uma categoria exclusiva para atletas com síndrome de Down. Nos critérios paraolímpi­cos atuais, eles entrariam em qualquer time com deficiênci­a intelectua­l e a diferença no nível da doença pode ser brutal no esporte.

A partida entre eles têm poucas faltas ou velocidade, mas os chutes saem com potência. Jorge não arrematava tão forte, mas toda a vez que fazia gols, mesmo em treinos, corria em direção da arquibanca­da e fazia sinal de coração para uma namorada que não estava lá.

Os outros jogadores sabiam da história, mas não disseram nada ao treinador. Falaram apenas que era para uma garota chamada Fátima. Monteiro demorou meses para descobrir. Até que lhe contaram. Jorge havia se apaixonado pela imagem da apresentad­ora Fátima Bernardes na TV. Os corações na hora do gol eram para ela. O técnico o chamou e disse que não havia problema. Ele arrumaria uma namorada de verdade.

Isso aconteceu pouco tempo depois. O nome dela era Fátima.

“Não trocaria esse trabalho com os garotos para dirigir nenhuma equipe de base no futebol. Quando a mãe ou o pai vem até nós para agradecer e dizer que mudamos a vida do filho deles... Não tem preço”, finaliza Monteiro.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil