Folha de S.Paulo

A violência venceu o jogo

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: PVC e Tostão

EM MENOS de cinco dias, duas mortes. Já são dez em 2017. Um torcedor do Vasco morreu baleado, sábado (8), dia de clássico contra o Flamengo. Na madrugada de quinta (13), um palmeirens­e se envolveu numa briga e foi esfaqueado por um corintiano.

Nas redes sociais é fácil ver gente apontando o dedo para o lado X ou Y, como se algum dos grandes times não tivesse membros de suas torcidas envolvidos em brigas ou em mortes nos últimos anos. Meu amigo, o time adversário não tem mais bandido do que o seu. As torcidas estão repletas deles, que já saem de casa não com o intuito de se divertir, mas de machucar alguém.

O jogo em São Januário, na zona norte do Rio, acabou sendo palco de um lamentável episódio, com a torcida do Vasco destruindo o próprio estádio, aterroriza­ndo os jogadores do Flamengo, que não conseguiam deixar o campo. Um torcedor baleado e morto, dois hospitaliz­ados porque também levaram bala.

Também por causa disso volta a discussão da validade da torcida única, medida defendida pelo Ministério Público e acatada por um juiz, desde que um torcedor do Botafogo morreu no Engenhão, em fevereiro. No dia 27 de junho, a Justiça garantiu torcida mista, reivindica­da pela Federação de Futebol do Estado do Rio.

Agora querem interditar o São Januário. Como vimos em São Paulo, nada disso adianta. O palmeirens­e morreu a dois quilômetro­s do Allianz Parque, depois de um jogo que recebia apenas torcedores do mandante.

O promotor do Juizado Especial Criminal Paulo Castilho disse à Folha que não relaciona o assassinat­o do torcedor palmeirens­e ao futebol. De certa forma ele está certo. Se vivêssemos em uma sociedade onde a violência só ocorresse dentro dos estádios, poderíamos colocar na conta do esporte, mas não é a realidade.

Recentemen­te, a ONG Mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal divulgou um ranking das 50 cidades mais violentas do mundo. O Brasil aparece 19 vezes na lista. É o país com maior número de citações. São Paulo e Rio de Janeiro, onde ocorreram essas mortes, nem aparecem. Imagine o tamanho do problema.

Outros dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que entre 2005 e 2015 a taxa de homicídios dolosos aumentou em 20 Estados. Sabemos que desde então a violência piorou. Não somos um país civilizado e muito menos pacífico. A barbárie no futebol é apenas reflexo do que acontece em todos os cantos.

No entanto, não dá para eximir o futebol de toda culpa. A impunidade dos torcedores envolvidos em crimes relacionad­os ao esporte é ainda maior do que a taxa de 8% de punição dos casos de homicídios em geral. Apenas 3% recebem punição.

O Ministério Público exige torcida única, interdita estádios, aplica multas. Apenas enxuga gelo, porque ninguém vai deixar de se matar por isso. Os clubes pouco se esforçam. É preciso afastar dos estádios torcedores que já foram banidos, ter tolerância zero com bandido uniformiza­do, fazer campanhas de conscienti­zação, tentar atrair outro tipo de torcedor.

A Inglaterra conseguiu conter a violência dos hooligans que tocavam o terror nos estádios e imediações com punições severas. Milhares de briguentos foram presos. Mas o Brasil não é a Inglaterra. O que acontece dentro dos nossos estádios existe em maior proporção do lado de fora. É desesperad­or.

A barbárie no futebol é apenas reflexo do que acontece em todos os cantos do Brasil

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