Vagas excedentes foram criadas em razão do frio extremo desta semana.
DE SÃO PAULO
Caía a noite de terça-feira (18), quando foi registrada a segunda tarde mais fria dos últimos 13 anos em São Paulo, e o idoso Juarez Guimarães Fonseca, 66, estava no terceiro endereço em busca de abrigo para passar a noite.
Morador de rua há mais de dez anos, ele costuma dormir sobre papelões na rua Barão de Duprat, no centro, mas devido ao frio decidiu sair em busca de uma vaga em um lugar mais quente.
“Estou com pneumonia”, insistia ele às assistentes sociais em frente ao contêiner montado na rua dos Gusmões que faz parte do programa anticrack da prefeitura e oferece pernoite aos usuários de droga da cracolândia.
Às 16h30, a Polícia Militar recolheu o corpo de um morador de rua no cruzamento da Teodoro Sampaio com a avenida Dr. Arnaldo, zona oeste da capital. Conforme a PM, não havia sinais de violência —indicativo de que a morte pode ter sido em decorrência da baixa temperatura.
Segundo o padre Julio Lancellotti, da Pastoral de Rua, houve ainda outra morte nesta terça nas mesmas circunstâncias e na mesma região. Esta, sem confirmação da PM até o fechamento desta edição.
Em 2016, ao menos seis moradores de rua morreram no período de frio entre junho e julho. Neste ano, há pelo menos mais uma morte sob suspeita de ter sido causada pelo frio, em 10 de junho.
Na tarde de terça, o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou tempera- tura mínima de 10,2ºC na capital paulista e a fila por uma das cem vagas de pernoite no contêiner da rua dos Gusmões dobrava a esquina.
A aglomeração em frente à estrutura não é comum, já que os usuários tratam de garantir suas vagas junto aos assistentes sociais que circulam pela região. Além do idoso, Viviane Marlene Araújo, 38, ficou do lado de fora. Funcionários da prefeitura confirmaram a maior procura devido às baixas temperaturas.
Antes de tentar uma vaga no contêiner, Fonseca procurou abrigo em um centro de acolhida na Barra Funda, que também estava lotado.
Por volta das 19h, ele foi orientado a tentar a estrutura de contêineres montada há poucos dias na rua General Rondon, a poucos metros da praça Princesa Isabel, onde o fluxo de usuários de drogas da cracolândia se instalou do fim de maio, após ação policial, até meados de junho.
Chegando lá, o idoso e Viviane se depararam com uma fila de cerca de 15 pessoas aguardando por vagas extras. Todas já haviam sido ocupadas. “É muita humilhação. Deveriam respeitar o Estatuto do Idoso”, disse. Funcionários da prefeitura negociavam colocar colchões extras nos quartos devido à alta na procura.
Para conseguir uma cama para dormir em um dos três contêineres instalados na região da Luz, muitos usuários dedicam suas rotinas ao cronograma da estrutura.
Rafael de Araújo Vitor, 32, por exemplo, bate ponto no endereço diariamente às 10h para conseguir com os assistentes sociais o papel que dá direito à vaga no fim do dia. Ele dorme no contêiner na rua dos Gusmões há três semanas.
“Se não tiver alcoolizado ou drogado, é impossível dormir na rua”, diz ele, que faz tratamento no Caps (Centros de Atenção Psicossocial) contra o vício em crack.
Há 18 anos sem teto, ele conta que costumava ir para o interior quando o frio apertava. “Em lugares menores, as pessoas são mais solidárias e dá para conseguir mais ajuda.”
Andressa dos Santos Nakabayshi, 19, também costuma dormir na mesma estrutura. Ela conta que ficava no vale do Anhangabaú até ser levada ao contêiner por um amigo. “Dia de frio é quando eu mais de humilho para conseguir abrigo”, diz. “Aceito fazer programa por até R$ 30, que é o preço do pernoite em hotéis no centro. Me recuso a passar frio na rua.”
Questionada, a gestão João Doria (PSDB), afirmou que no começo da noite todas as pessoas no local foram atendidas por meio de uma operação emergencial, que as encaminhou para vagas nos 85 abrigos da rede municipal, e que não havia mais fila.
Segundo a prefeitura, são 10 mil vagas fixas, mais 1.400 mil criadas exclusivamente para o período de frio, além de cerca de 400 vagas nos centros temporários. Outras FRIO CONTINUA As baixas temperaturas devem continuar nos próximos dias, após uma queda de mais de 17ºC em 24 horas na capital entre segunda (17) e terça.
Há previsão de novo recorde de frio para a tarde desta quarta (19). A mínima prevista é de 7ºC, com máxima de 14°C, e deve garoar, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências, da prefeitura). No restante do Estado o frio deve seguir até o próximo sábado (22).
Em Santa Catarina, o Inmet registrou -7,4°C em Bom Jardim da Serra, região serrana do Estado. É a temperatura mais baixa do ano no país, informou a Agência Brasil.
Cerca de 350 turistas, sendo 200 brasileiros, ficaram presos no aeroporto de Bariloche, na Argentina, devido a nevascas que atingem o país desde sexta-feira (14).