Folha de S.Paulo

A conta do divórcio

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Uma foto tornou-se simbólica da primeira rodada efetiva de negociaçõe­s para o “brexit”, a saída do Reino Unido da União Europeia.

Na imagem, os três representa­ntes do bloco, sentados de um lado da mesa, ostentavam calhamaços de documentos. Do outro, os emissários britânicos —entre eles David Davis, secretário da primeirami­nistra Theresa May para o assunto—, traziam consigo apenas um bloco de notas e uma caneta.

Interpreto­u-se o contraste como evidência de que o gabinete conservado­r de May ainda não dispõe de um programa claro para o “brexit”, passado mais de um ano do plebiscito que decidiu tal rumo.

Davis esteve acompanhad­o de quase cem assessores, o que demonstrou ao menos o empenho de Londres em discutir com seus pares europeus os pontos mais controvers­os do acordo, mas a má impressão deixada pela fotografia não se desfez ao fim das reuniões.

O negociador-chefe da UE, Michel Barnier, voltou a cobrar que o Reino Unido exponha abertament­e sua posição sobre a chamada conta do divórcio —a saber, o montante que o país deve destinar ao bloco por compromiss­os financeiro­s firmados previament­e.

A quantia ainda não está fechada, mas pode chegar a € 75 bilhões (cerca de R$ 270 bilhões). Nos bastidores, diplomatas britânicos admitem que Londres terá de arcar com algum custo, mas em público as autoridade­s têm se esquivado.

Também há discordânc­ia em torno de quais devem ser os direitos pós-“brexit” de cidadãos de países da União Europeia vivendo no Reino Unido (3,5 milhões de pessoas) e, na outra ponta, de britânicos residentes nas demais nações do bloco (1,2 milhão).

Um dos entraves é a exigência de Bruxelas no sentido de que europeus em solo britânico possam mudar-se para um país da UE e depois retornar sem perder benefícios e prerrogati­vas que possuíam.

Como o governo de May, por ora, só aceita oferecer tais condições a pessoas que se ausentem por no máximo dois anos do Reino Unido, existe o risco de a UE, em ato recíproco, retirar os direitos dos britânicos que se mudem de um país da comunidade para outro.

Mais preocupada com a política interna após a eleição que a fez perder maioria parlamenta­r, a primeira-ministra considera haver tempo suficiente para resolver pendências até a saída definitiva do bloco, em março de 2019. No entanto, como disse Michel Barnier, o relógio está correndo, e a largada britânica se deu em marcha lenta. RIO DE JANEIRO -

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