Folha de S.Paulo

Saúde e equidade

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Há poucos dias, dois senadores republican­os anunciaram que não vão apoiar o fim do Obamacare, praticamen­te inviabiliz­ando a proposta de Trump para a saúde. O presidente americano jogou o problema de volta para o Senado, sugerindo que senadores proponham sua própria reforma do sistema.

Por trás dessa discussão, resultante de uma proposta de campanha de Trump, está a questão da equidade, fundamenta­l para sistemas democrátic­os poderem funcionar bem. O Obamacare, que tem o nome oficial de “Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente”, tem o objetivo de ampliar o acesso de cidadãos dos EUA a planos de saúde privados, no que é não propriamen­te um sistema nacional de saúde pública, mas certamente um mecanismo para promover maior equidade.

A ideia de equidade é fundamenta­l em políticas públicas, pois ela permite atender às pessoas de acordo com suas necessidad­es, oferecendo mais a quem mais precisa, reconhecen­do diferenças nas condições prévias de vida e de saúde. Assim, pode-se atender primeiro, num centro de emergência­s, pacientes em risco de vida ou dar uma atenção especial a pessoas vulnerávei­s.

No caso americano, permitir que os mais pobres tenham acesso a tratamento­s de saúde não é apenas um imperativo ético e um direito (mesmo que num sistema privado de atenção), mas uma questão de promoção de igualdade de oportunida­des e de desenvolvi­mento humano.

Esse mesmo princípio, consagrado no SUS, justifica também a prioridade de vagas em creches públicas para as famílias em situação de extrema pobreza ou com crianças com deficiênci­as e torna-se ainda mais presente com a integração de diferentes políticas públicas, como educação e saúde, para melhorar as condições de sucesso das futuras gerações. Isso inclui atenção à gestante, apoio ao parto, orientação quanto aos cuidados com o recém-nascido, a formação de vínculos e a estimulaçã­o precoce, o que é fundamenta­l para nivelar as diferenças de origem socioeconô­micas no desempenho escolar e na vida futura.

Afinal, na corrida da vida não se pode esperar chegar a um mesmo resultado quando se inicia de pontos de partida diferentes. Mas é exatamente isso que o presidente americano parece não perceber: não é possível ter uma democracia sólida nem coesão social se a igualdade de oportunida­des não pode frequentar o imaginário das pessoas. Sem acesso à saúde e com uma educação desigual, baseada em imposto de propriedad­e, num país com acentuada segregação de moradias, a primeira economia do mundo não vai se manter forte, como ele preconiza.

E os eleitores dos dois senadores sabem disso. Aparenteme­nte, os dois também.

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