Folha de S.Paulo

Gambiarras nada saudáveis

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SÃO PAULO - “A biometria vai servir para que todos cumpram seus horários de trabalho. Vamos parar de fingir que pagamos médicos e os médicos vão parar de fingir que trabalham”. Com essa frase, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, despertou a ira de entidades médicas.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB) soltaram uma nota conjunta em que qualificam os termos usados por Barros como “inadequado­s” e “pejorativo­s”. A Federação Médica Brasileira (FMB) chegou mesmo a sugerir que o ministro voltasse para a engenharia, sua área de formação, porque na medicina “ele ainda não conseguiu provar a que veio”.

Na disputa entre a medicina e a engenharia, acho que falta um economista. Se Barros de fato passar a controlar os horários de todos os médicos por biometria, é provável que vários serviços entrem em colapso.

Nem todas as ausências de profission­ais se devem a preguiça e fraudes. Uma parte delas é resultado de disfuncion­alidades do próprio sistema. Médicos, como quaisquer outros trabalhado­res, se aposentam, adoecem, tiram férias etc. Quando isso acontece, é necessário que os gestores desloquem outro profission­al para cobrir o que está ausente. Obviamente, há funções mais e menos cobiçadas. É fácil preencher o plantão diurno no hospital ao lado do metrô. Já a vaga do sábado à noite no hospital que fica na porção mais violenta da cidade não encontra muitos voluntário­s.

Para manter os hospitais funcionand­o com pelo menos um médico, os gestores acabam recorrendo a gambiarras diversas, como abonar duas faltas de quem aceitou dar um plantão “difícil”. São práticas irregulare­s, mas que um economista tucano descreveri­a como soluções criativas informais para os descompass­os entre a oferta e a demanda.

É difícil resolver isso sem mexer na engessada estrutura dos salários no serviço público. helio@uol.com.br

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