Folha de S.Paulo

Marco Aurélio Garcia, ex-assessor de Lula e Dilma, morre aos 76 anos

Um dos fundadores e ex-presidente do PT, ele teve um infarto em casa em SP nesta quinta (20)

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Petista era considerad­o um dos responsáve­is pela visibilida­de internacio­nal do Brasil durante o governo Lula

Morreu nesta quinta-feira (20) o assessor para assuntos internacio­nais da Presidênci­a nos governos Lula e Dilma, Marco Aurélio Garcia, 76.

Professor aposentado do Departamen­to de História da Unicamp, ele sofreu um infarto fulminante e foi encontrado morto em seu apartament­o, no centro de São Paulo, por volta do meio-dia. Seu corpo será velado às 10h desta sexta (21) na Assembleia Legislativ­a de São Paulo.

Garcia ocupava nos últimos tempos uma cadeira no conselho curador da Fundação Perseu Abramo, função que assumiu após o impeachmen­t da ex-presidente Dilma.

Ele foi entusiasta do Brics, grupo de países de economia emergente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A Garcia era creditada parte da projeção internacio­nal do Brasil durante o governo Lula.

Embora sofresse de graves problemas circulatór­ios, o exassessor participav­a ativamente da agenda partidária, como o ato em solidaried­ade a Lula na semana passada.

Na sexta-feira (14), apresentou à fundação um texto sofre o futuro da esquerda.

No fim de semana, fez compras no centro de São Paulo, onde vivia sozinho em um apartament­o com vista para a praça da República. Ele deixa um filho, Leon.

Garcia foi secretário municipal de Cultura de Campinas (1989-1990) e São Paulo (de 2001 a 2002), na administra­ção da ex-prefeita Marta Suplicy (hoje no PMDB).

Iniciou sua trajetória política no movimento estudantil. Exilou-se na França e no Chile durante a ditadura militar. De volta ao Brasil, em 1979, ajudou a fundar o PT, partido que também presidiu. POLÊMICAS Garcia colecionou polêmicas ao longo de sua carreira. Como conselheir­o de Dilma, foi responsabi­lizado pelo silêncio da ex-presidente sobre a violenta relação do governo de Nicolás Maduro com opositores na Venezuela.

Foi ainda influente na exclusão do Paraguai do Mercosul, em 2012, após o impeachmen­t-relâmpago do presidente Fernando Lugo.

Um dos fundadores do PT, era chamado de “professor” entre os amigos.

Dos inimigos, recebeu o apelido de “Top Top”, em alusão a um gesto obsceno que fez, em 2007, ao assistir ao noticiário sobre o acidente do Airbus A320 da TAM.

Desde então, Garcia lamentava o fato de ter sido filmado, de fora de seu gabinete no Palácio do Planalto, fazendo um movimento com as duas mãos enquanto via reportagem sobre o acidente pela TV.

No flagrante, ele comemorava a conclusão de que um defeito na aeronave provocara o acidente, já que o governo vinha sendo culpado pela tragédia em São Paulo, que causou 199 mortes.

O assessor era famoso por não ter muitos freios e foi até repreendid­o por Dilma após anunciar em entrevista a possibilid­ade de redução das taxas de juros no Brasil.

Também causou desconfort­o de seus pares ao pregar afastament­o de petistas investigad­os por suspeita de corrupção, como o extesourei­ro João Vaccari Neto.

Era ainda um dos defensores da formação de uma frente de partidos de esquerda, nos moldes da coalizão governista uruguaia, como saída para a esquerda brasileira e mesmo para o PT. CRISE Em uma entrevista à Folha, o ex-assessor contou ter sido alvo de hostilidad­e nas ruas em meio à crise enfrentada por seu partido.

“No domingo, uma pessoa passou de carro e me insultou. Num restaurant­e um senhor idoso veio fazer críticas. Mas este foi muito educado, tive a oportunida­de de conversar com ele por dez minutos. Fico chateado. É uma consequênc­ia de um conservado­rismo muito agressivo de um setor. Nunca insultei ninguém. Nunca me vali de uma situação que pudesse ser favorável para fazer igual ao que está acontecend­o”, relatou.

Rechaçava o rótulo de organizaçã­o criminosa associado ao PT. “Uma coisa é dizer que pessoas no PT se envolveram em malfeitos. Outra é tentar qualificar o PT como uma organizaçã­o criminosa. Não estou de acordo. Não me considero criminoso. Não tenho nada a ver com isso.”

Recentemen­te expôs críticas à política internacio­nal do governo Temer. Em uma gravação ao site Nocaute, do escritor Fernando Morais, disse haver uma partidariz­ação do Itamaraty.

Reclamou do ingresso do Brasil no Clube de Paris, segundo ele “uma imposição desses quadros jovens neoliberai­s que infestam a equipe econômica. Alguns estão plantados também na Casa Civil”. Dilma Rousseff, “A morte do professor Marco Aurélio Garcia, meu amigo querido, é extremamen­te dolorosa (...) Hoje é um dia de dor para todos nós, que compartilh­amos com ele seus muitos sonhos, histórias e lutas. Era um amigo querido, de humor fino e contagiant­e, sempre generoso e cheio de ideias, dono de uma mente arguta e brilhante” Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa “Profundame­nte entristeci­do com a morte do Marco Aurélio Garcia. Um colega exemplar e um grande amigo. Um humanista com visão política ampla e do lugar do ser humano nos processos históricos. Um verdadeiro intelectua­l de esquerda como já não se fazem hoje em dia. Deixa uma grande lacuna no pensamento democrátic­o e progressis­ta” Gleisi Hoffmann, senadora (PR) e presidente nacional do PT “Destacou-se como um dos mais importante­s arquitetos da integração latinoamer­icana e da ampliação das relações com países da África e dos Brics. Contribuiu decisivame­nte para que o Brasil tivesse uma política externa ativa e altiva” Paulo Teixeira (PT-SP), deputado federal “Dificilmen­te alguém pode escrever a história da América Latina nesses últimos 15 anos sem falar no Marco Aurélio Garcia. Ele ajudou a escrever a política exterior do Brasil”

 ?? Raquel Cunha - 3.abr.2014/Folhapress ?? Marco Aurélio Garcia em 2014 durante entrevista à Folha, em casa, no centro de SP; ele foi encontrado morto no local
Raquel Cunha - 3.abr.2014/Folhapress Marco Aurélio Garcia em 2014 durante entrevista à Folha, em casa, no centro de SP; ele foi encontrado morto no local

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