Folha de S.Paulo

ANÁLISE Alta de tributo de combustíve­is é efeito do enfraqueci­mento político de Temer

- BRUNO BOGHOSSIAN

A demora na recuperaçã­o da atividade econômica também não ajudou, mas a decisão do governo de aumentar tributos sobre combustíve­is é principalm­ente um efeito da crise política.

Nos dois meses desde que foram reveladas as delações da JBS, Michel Temer gastou boa parte de sua força no Congresso para simplesmen­te sobreviver. Restou pouco capital político para convencer os parlamenta­res a aprovar medidas que aumentaria­m as receitas e equilibrar­iam as contas do governo.

Enfraqueci­do, o presidente viu congressis­tas praticamen­te inviabiliz­arem uma arrecadaçã­o estimada em R$ 18 bilhões neste ano —mais que suficiente para cobrir o valor que entrará nos cofres públicos com o pesado aumento de tributos sobre combustíve­is.

Faltou poder ao governo para convencer um parlamenta­r do PMDB, partido do presidente, a manter o texto do programa de renegociaç­ão de dívidas tributária­s, o Refis. Ignorando o Planalto, o relator Newton Cardoso Jr. (MG) mudou as regras para beneficiar devedores e reduziu a previsão de receitas de R$ 13,3 bilhões para pouco mais de R$ 400 milhões.

O presidente também ficou sem força para empurrar pelo Congresso a medida que previa o fim da desoneraçã­o da folha de pagamento de cerca de 50 setores. Queria arrecadar R$ 4,8 bilhões neste ano, mas os parlamenta­res decidiram fazer o governo esperar até 2018.

Temer e seus ministros se vangloriav­am de ter um apoio massivo no Congresso. Elaboraram uma agenda de reformas fiscais duras, desenhada a partir da esperada fidelidade dessa base aliada. A turbulênci­a provocada pelas acusações de corrupção contra o presidente mudou as expectativ­as do Planalto.

Nas últimas semanas, quando o governo contava centavos para fechar as contas, nem passou pela cabeça dos ministros de Temer buscar medidas que dependesse­m do Congresso. A decisão de aumentar tributos sobre combustíve­is foi a solução: feita por decreto, não precisa de aval dos parlamenta­res.

O presidente ainda parece acumular força suficiente para sobreviver à votação no plenário da Câmara da denúncia por corrupção apresentad­a contra ele, mas o custo é alto. Inclui R$ 1 bilhão em emendas liberadas neste momento de contas apertadas.

Preocupado em se salvar, Temer gasta quase todo o poder político que ainda detém. Sobra pouco para tocar a agenda do “presidente reformista” que almejava ser.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil