Folha de S.Paulo

A fila anda, devagar, mas anda

- NELSON BARBOSA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

O TCU (Tribunal de Contas da União) alertou o governo sobre o risco de não cumprir a meta fiscal. Segundo os técnicos, dos R$ 27,9 bilhões em receitas previstas com concessões e permissões, 70% se concentram nos últimos meses do ano e podem ser frustradas.

A situação é mais grave do que aponta o TCU. As projeções de receita do governo também incluíam ganhos com o novo Refis e com a reoneração da folha, que não ocorrerão. O Congresso Nacional errou ao anular o aumento de receita com essas medidas neste ano.

O reequilíbr­io fiscal requer aumento de receita. Não é possível fazer todo o ajuste na despesa. Escrevo antes do anúncio das últimas medidas do governo, mas tudo indica que deve ocorrer algum aumento de impostos. A fila anda, devagar, mas anda.

Além do aumento emergencia­l de arrecadaçã­o, o governo também sinalizou com uma reestimati­va de outras receitas temporária­s para evitar a paralisaçã­o da máquina pública (shutdown) já em agosto.

A estimativa de ganho de caixa com o cancelamen­to de precatório­s deve subir de R$ 8,6 bilhões para R$ 12 bilhões. Esse último valor é exatamente igual ao apresentad­o em 2016, quando se propôs utilizar os precatório­s pela primeira vez, mas o Congresso “pauta-bomba” sabotou tal iniciativa. Novamente a fila anda, devagar, mas anda.

O shutdown deve ser evitado porque isso prejudica a sociedade e é desnecessá­rio diante da queda da inflação e da alta ociosidade na economia. Mas o governo também deveria mudar a regra fiscal, adotando metas de gasto, em vez de metas de resultado.

Hoje temos um teto de gasto, mas a meta principal continua sendo o resultado primário. Isso torna a política fiscal pró-cíclica, pois, quando a economia cresce menos do que o esperado, a receita cai abaixo das projeções do governo e dispara um corte de gastos que empurra a economia ainda mais para baixo. O oposto acontece quando o cresciment­o supera as expectativ­as.

A fila da regra fiscal quase andou no início de 2016, quando o governo propôs um regime especial de contingenc­iamento para lidar com situações de lento cresciment­o como a atual. A nova equipe econômica barrou essa evolução. Agora sofremos as consequênc­ias.

Voltamos a depender de operações não recorrente­s para evitar o shutdown. Antecipaçã­o excessiva de receita não acaba bem, mas nem tudo está perdido. Como a situação fiscal de 2018 é ainda mais grave, a fila deve voltar a andar em breve, com a adoção de uma regra fiscal mais racional.

E devo registrar que minha cobrança por uma tributação mais progressiv­a sobre renda e riqueza incomodou os chefes de torcida do governo. Em sua coluna de 9 de julho, Samuel Pessôa procurou desqualifi­car minha cobrança, mas curiosamen­te não se posicionou sobre o tema. Isso revela quem o colunista representa?

A resposta ao diversioni­smo da torcida do Estado mínimo está em minha proposta de elevar a TJLP, para um valor igual à expectativ­a de cresciment­o da economia no longo prazo, apresentad­a ainda em 2014, e no PL 5.205/16, sobre tributação de renda e riqueza, apresentad­o quando comandei a Fazenda.

A fila andou na TJLP, pois a proposta do governo para elevar tal taxa é próxima ao que defendi há três anos (ainda prefiro a original). A fila parou na tributação dos mais ricos, mas voltará a andar por uma questão de necessidad­e fiscal e social do país.

O reequilíbr­io fiscal requer aumento de receita; não é possível fazer todo o ajuste na despesa

NELSON BARBOSA,

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