Folha de S.Paulo

POR FAVOR E OBRIGADO

Um dia após reclamarem da lavagem da praça da Sé com jatos de água no frio, moradores de rua dizem estranhar mudança de tratamento em abordagem da gestão Doria

- DHIEGO MAIA THIAGO AMÂNCIO

DE SÃO PAULO

“Até parece que eles estão usando maquiagem. Estão sorrindo mais, conversand­o com a gente de forma educada”, diz Alberto David de Souza, 49, morador da praça da Sé, no centro de São Paulo.

Souza se refere à abordagem aos moradores de rua feita pela GCM (Guarda Civil Metropolit­ana) e por agentes da zeladoria da gestão João Doria (PSDB) durante a limpeza da praça, realizada na manhã desta quinta-feira (20).

A operação contou com a presença do prefeito regional da área, Eduardo Odloak, que, após polêmica no dia anterior, acompanhou de perto a higienizaç­ão do cartão-postal da capital paulista.

Com presença de “comitiva oficial”, de jornalista­s e curiosos, a forma como os agentes trataram quem dormia na rua foi bem diferente da truculênci­a relatada pelos moradores de rua na manhã do dia anterior, quarta-feira (19).

Na ocasião, após a madrugada mais fria do ano, os semteto que habitam a praça da Sé dizem que foram surpreendi­dos pelos jatos de água da equipe contratada da prefeitura —e ficaram com cobertores, roupas e barracas molhados num dia “congelante”.

Nesta quinta-feira, a operação de limpeza ocorreu de forma “bem estranha”, segundo os moradores de rua.

Eles dizem ter ouvido dos agentes pela primeira vez palavras como “bom dia”, “por favor”, “com licença” e “obrigado”. A abordagem amistosa ocorreu toda vez que um entulho, como sofás e cobertores, precisava ser retirado.

Os jatos de água só eram acionados depois de um sinal dos funcionári­os —e nunca eram direcionad­os a quem ainda estava no chão.

Quatro travestis que estavam num canteiro junto ao metrô acharam tudo “uma cena”. “Eles são truculento­s e homofóbico­s. Chegam aqui retirando tudo, sem falar nada”, afirma Jéssica Milk, 21.

A colega de Jéssica, Knanda de França Santana, 21, concordou. “Eles só querem tumultuar. Todo dia temos que desmontar a barraca, recolher os cobertores e sair da nossa casa para eles limparem. Só que quando vocês [imprensa] não estão aqui tudo é diferente. Eles xingam, riem da gente.”

Mesmo mancando, a semteto Aparecida Solange Ribeiro, 47, correu em direção aos caminhões de limpeza para avisar aos agentes que sua casa estava limpa.

Ela temia, na verdade, que a inspeção levasse suas ripas de madeira —usadas para aquecê-la e cozinhar. “Eles só não levaram as ripas porque vocês [imprensa] estavam aqui”, diz o marido de Aparecida, Edson Matos, 28.

A reportagem acompanhou a abordagem a um morador deitado sobre um colchão no chão de terra batido. Aparentand­o estar doente, Renato —assim chamado pelos colegas— estava cercado por muito lixo, que foi logo recolhido pelos agentes.

Ele e a mulher, Carol, moram em um dos cantos da praça onde, segundo os moradores e comerciant­es da região, há consumo de drogas. Durante a abordagem, os guardas-civis acionaram o Samu (Serviço de Atendiment­o Móvel de Urgência) para levar o homem ao hospital.

Para Odloak, a limpeza da praça vai continuar, mas de forma mais pacífica. “Toda a zeladoria é treinada para fazer a abordagem da melhor forma possível”, afirma.

O prefeito regional diz que a praça não pode seguir o mesmo destino de outros locais da capital, tomados por lixo. “Aqui não tem banheiro químico e os banheiros do metrô não dão conta da demanda. Eles acabam fazendo suas necessidad­es em qualquer lugar, até no espelho-d’água.”

Segundo ele, a Inova, empresa responsáve­l pela zeladoria da área, foi notificada e terá cinco dias para explicar a denúncia dos moradores de rua no dia anterior.

Odloak também diz ter analisado as imagens das câmeras da GCM na praça. “Os vídeos, pelo menos, não mostram nenhuma situação anormal entre os moradores e a equipe de limpeza.”

Para os comerciant­es, a limpeza é fundamenta­l e necessária. Sandra Maria da Silva, 48, que mantém há 20 anos uma banca de revistas no meio da praça, diz ter perdido as contas das vezes em que encontrou as portas da banca tomadas de fezes e urina. “Eles mijam até nos cadeados.” ‘DESUMANO’ Doria voltou a negar nesta quinta que os moradores de rua tenham sido acordados sob jatos de água. Segundo ele, a guarda não encontrou em câmeras a cena relatada.

“Seria um ato desumano e absolutame­nte reprovável. Serviu também para redobrar a atenção da prefeitura e orientar as empresas prestadora­s de serviços para que aumentem o cuidado e o zelo na limpeza pública”, afirmou.

Doria admitiu, no entanto, que os moradores tiveram seus cobertores molhados. “Não deveriam ter sido. Mas foram molhados e já foram repostos”, disse.

O tucano distribuiu na quarta 2.000 cobertores e 2.000 pares de meia para moradores de rua —ação que deve se estender até sábado.

Doria, contudo, foi hostilizad­o por um grupo, incluindo moradores de rua, aos gritos de “assassino”, perto da estação Marechal Deodoro do metrô —na tarde de terça (18), a segunda mais fria em 13 anos, um morador de rua havia sido encontrado morto em Pinheiros, na zona oeste.

Doria disse que a manifestaç­ão foi “controlada por um grupo petista de ativistas”.

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Moradores de rua observam limpeza da praça da Sé, no centro de SP, na manhã desta quinta (20)
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Funcionári­os de serviço terceiriza­do da prefeitura varrem e recolhem itens de moradores de rua na praça da Sé

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