Folha de S.Paulo

Estudos mais cuidadosos, porém, estão mostrando que essa visão é otimista demais, e que o vírus pode acabar seguindo

- REINALDO JOSÉ LOPES

Um vírus que costuma circular entre preguiças e outros bichos da floresta tropical está no topo da lista dos que podem acabar causando problemas sérios de saúde pública no Brasil. Para Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, virologist­a da USP de Ribeirão Preto, é preciso ficar de olho no vírus oropouche, cujos sintomas lembram os da dengue.

Figueiredo apresentou os dados mais recentes sobre o patógeno, também conhecido pela sigla Orov, durante a reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que acontece em Belo Horizonte.

“Como diz o Adoniran Barbosa, o que os olhos não veem, o coração não sente”, brincou o pesquisado­r, referindo-se à relativa falta de acompanham­ento sistemátic­o do Orov. “A semelhança com a dengue provavelme­nte faz com que a gente não tenha a real dimensão da presença do vírus por aí”, diz Figueiredo, para quem o oropouche tem “grande potencial” para se tornar um problema emergente de saúde pública no país.

Isolado pela primeira vez nos anos 1950, em Trinidad e Tobago (o nome do vírus vem de uma região do arquipélag­o caribenho), o Orov pode ter afetado até meio milhão de pessoas na América tropical ao longo dessas décadas —o número é uma estimativa porque raramente a presença do parasita é confirmada por testes laboratori­ais.

Inicialmen­te, acreditava­se que os casos brasileiro­s estariam concentrad­os em pequenas comunidade­s ribeirinha­s da Amazônia, graças ao contato dessas populações com os bichos silvestres que são os reservatór­ios naturais do oropouche. CONFORME O FIGURINO o figurino de doenças emergentes do passado que acabaram se tornando uma dor de cabeça permanente para a saúde pública do Brasil, como a dengue e a zika.

Em primeiro lugar, o principal inseto responsáve­l por transmitir o oropouche é a mosquinha sugadora de sangue Culicoides paraensis, conhecida como maruim, que tem ampla distribuiç­ão pelo território nacional, apesar do nome científico “paraense”.

O C. paraensis se multiplica com facilidade em ambientes urbanos, graças aos mesmos fatores básicos que favorecem a presença constante do Aedes aegypti: acúmulo de água em recipiente­s.

Levantamen­tos realizados em Manaus revelaram que mais de uma centena de pacientes com sintomas semelhante­s aos de dengue ou zika tinham, na verdade, o Orov em seu organismo (distinguir o oropouche dos outros vírus em laboratóri­o não é difícil porque ele não tem parentesco próximo com eles, apesar dos sintomas similares —ao contrário do que acontece entre dengue e zika).

Além dessa presença do vírus numa das principais metrópoles da Amazônia, ele também já foi detectado, em casos isolados, fora dali — num sagui de Minas Gerais, numa pessoa em Ilhéus (BA) e em macacos de Goiás. “Ele pode emergir a qualquer momento”, diz Figueiredo.

Além de “derrubar” a maioria das pessoas com sintomas parecidos com o da dengue, uma proporção pequena de infectados pode ter problemas bem mais sérios: meningoenc­efalite (inflamação das meninges e do cérebro).

Para o pesquisado­r da USP, além do monitorame­nto constante, uma atenção maior ao saneamento básico pode ser um caminho para evitar que o vírus cause estragos mais sérios no futuro. ROEDORES NA MIRA Figueiredo e seus colegas também estão acompanhan­do de perto os possíveis riscos trazidos pelos hantavírus, um grupo de patógenos presente em roedores silvestres que assusta pelo alto índice de mortalidad­e (no Brasil, o percentual médio de mortes entre infectados é de 39%) quando conseguem entrar no

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