Classe elogia experiência, mas pede diálogo
O presidente Michel Temer escolheu o jornalista Sérgio Sá Leitão para comandar o Ministério da Cultura. A pasta estava sem titular desde maio, quando Roberto Freire (PPS) pediu demissão após a crise aberta pela delação da JBS.
Sá Leitão, 49, foi secretário municipal de Cultura do Rio, na gestão Eduardo Paes (PMDB) e chefe de gabinete do Ministério da Cultura na gestão Gilberto Gil. Em abril, assumiu a direção da Ancine (Agência Nacional do Cinema). Ele já foi cotado para o MinC em maio de 2016, mas Temer optou pelo nome de Marcelo Calero para a pasta.
Em comunicado anunciando a escolha, o Ministério da Cultura disse que Sá Leitão tem “ampla e reconhecida experiência na área cultural”.
Nos anos 1980 e 90, trabalhou no “Jornal do Brasil”, na Folha e no “Jornal dos Sports”. A partir de 2003, passou por órgãos como BNDES, Ancine e a distribuidora municipal RioFilme, a qual presidiu. (Veja mais ao lado).
O presidente era pressionado por aliados a fazer uma indicação política para o ministério, mas seus auxiliares tinham receio da reação negativa da classe artística.
Temer sondou a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), que comandou a pasta no governo Dilma Rousseff, mas ela recusou. O presidente decidiu então adiou nomeação para depois da tramitação da denúncia de corrupção passiva contra ele na Câmara.
No entanto, resolveu antecipá-la para evitar que o PTB, que tinha interesse no posto, condicionasse o comando da pasta ao apoio para barrar a acusação contra Temer.
A escolha, segundo assessores presidenciais, atende a cobranças para que a pasta fosse comandado por um nome com experiência no setor e com trânsito político. O novo ministro tem boa relação, em especial, com o PMDB do Rio.
Procurado, ele não respon- deu ao pedido de entrevista.
Sá Leitão será o terceiro titular da Cultura em pouco mais de um ano de gestão Temer. Além de Roberto Freire, também comandou a pasta Marcelo Calero, que se demitiu em novembro ao acusar o ex-colega Geddel Vieira Lima (PMDB) de pressioná-lo para liberar um edifício nos arredores de uma área tombada de Salvador.
Quando assumiu interinamente a Presidência, em maio de 2016, Temer extinguiu o MinC, que se tornou uma secretaria vinculada à Educação. Após protestos de artistas e gestores públicos, recuou.
A relação do governo com a classe artística tem sido marcada por protestos. Em setembro, Calero, então ministro, foi chamado de “golpista” num festival de cinema em Petrópolis. Meses depois, Freire foi vaiado na entrega do Prêmio Camões e trocou farpas com o homenageado, Raduan Nassar.
O orçamento da pasta em 2017 é de cerca de R$ 2,5 bilhões (menos de 1% do total).
O mais novo ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, tem experiência técnica, mas é pouco afeito ao diálogo, afirma parte expressiva do setor cinematográfico, área em que ele mais se destacou.
Desde 2003, transita por cargos que vão de assessor da presidência do BNDES à diretoria da Ancine, e governos díspares, como o de Lula (PT) e o do ex-prefeito carioca Eduardo Paes (PMDB).
O “jogo de cintura” ao transitar por gestões tão diferentes é elogiado pelo produtor teatral Eduardo Barata, que o conheceu no começo de sua carreira pública, como chefe de gabinete do então ministro da Cultura Gilberto Gil (2003-08), na gestão Lula.
“Esse trânsito vai fazer com que ele, como ministro, encampe nossas propostas no Legislativo”, afirma Barata.
Em 2009, Sá Leitão foi chamado por Paes para presidir a RioFilme, agência de fomento ao audiovisual carioca.
No cargo, em que permaneceu até 2015, o atual ministro exalta números: “R$ 185,5 milhões investidos em 484 projetos, com saldo de 32 mil empregos, movimentando R$ 2 bilhões”, afirmou em entrevista à Folha, em fevereiro.
Foi alvo, no cargo, de acusação de ter beneficiado só grandes produtoras e de ter sufocado o cinema autoral.
Como oposição, surgiu em 2014 um movimento de cineastas chamado Mais Cinema, Menos Cenário, que pedia mais transparência nas contas da RioFilme. Naquele ano, Sá Leitão disparou e-mails, divulgados pelo jornal “O Globo”, que alertava nomes como Cacá Diegues e Mariza Leão sobre a necessidade de “isolar” os “black blocs”.
Nenhum dos dez artistas e produtores culturais procurados pela Folha quis criticálo abertamente. Sem se identificar, reclamaram de falta de transparência e de diálogo.
Diretor de “Nise”, o carioca Roberto Berliner diz que o atual ministro é “extremamente competente”. “Ele tem uma ótima capacidade de análise do setor cinematográfico. Só me preocupa como ele vai dialogar com o meio.”
O diretor Bruno Barreto vê com bons olhos a inclinação do novo ministro à área do cinema. “É bom termos alguém que sabe que esse é o setor mais pungente da cultura.”
Entre a saída da RioFilme, em 2015, e chegada à Ancine, no começo do ano, Sá Leitão montou uma produtora e tocava projetos com voltagem política. Um documentário escrutinará o ‘mito de Lula’ e um thriller, o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel.