Folha de S.Paulo

‘Adelman’ é um dos melhores retratos do amor desta década

- CHICO FELITTI

FOLHA

A recém-viúva de um dos maiores escritores da França se senta para conversar com um jornalista, enquanto o corpo morto do imortal ainda nem se ajeitou na cova. A senhora fumante promete para o repórter que vai passar a limpo os 45 anos de união com o homem que ganhou o prêmio Goncourt, maior láurea da literatura francesa.

A mulher começa a contar uma história que no começo parece a idealizaçã­o da vida a dois. Mas que sai por todas as culatras do mundo: o que ela narra rende um dos filmes que melhor retrata o amor na década de 2010, “Monsieur & Madame Adelman”.

Nada é óbvio na história de Sarah e Victor Adelman. E o filme chega com dois gumes muito afiados: o da comédia e do drama. Nenhum tema está fora dos limites: dos efeitos da cocaína num bebê à ausência da dor quando um filho morre, tudo é exposto à luz do sol.

E haja autoironia. Se agora o escritor de esquerda despreza a burguesia que exala álcool, como a sua família, logo mais vai ter mordomo, copeira e empregada –e um problema com a birita.

No longa francês, uma arte contamina a outra. A estrutura literária é levada para o filme, que se divide em capítulos, prólogos e epílogos. Uma história linear, mas nada chateada, ela começa com dois jovens se conhecendo num bar e termina com dois velhos se despedindo à beira de um penhasco.

Há muito romance, mas zero romantizaç­ão. Os personagen­s são humanos e fazem humanidade­s como trair, enganar, machucar e mentir –a maioria dos verbos é conjugada por monsieur Adelman, é verdade, mas a mulher não é espectador­a. Longe disso.

Sarah Adelman é uma das personagen­s mais fortes que você vai ver no cinema neste ano. Para conquistar o protagonis­ta (focal, porque este filme pertence a ela), Sarah se torna amante do seu melhor amigo e, em seguida, namorada do seu irmão. Vai ao jantar de Natal na mansão da família industrial que seu amado tanto despreza e dá uma surra de ironia no futuro sogro.

Palpita nos manuscrito­s rejeitados do jovem escritor e liga para ele não uma, não duas, mas centenas de vezes, até ser atendida. Sarah se impõe. Ele adota o sobrenome e a religião da namorada.

“Monsieur & Madame Adelman” só tem um defeito vultoso: os pronomes pessoais de tratamento deveriam estar invertidos, começando por Madame. Assim seria justo. DIREÇÃO Nicolas Bedos ELENCO Nicolas Bedos, Doria Tillier PRODUÇÃO França, 2016, 16 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO ótimo

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