Folha de S.Paulo

Uruguai na vanguarda

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Começou na quarta-feira (19) a última fase da nova política do Uruguai para a maconha. Em 2013, lei aprovada pelo Congresso prescreveu a legalizaçã­o gradual da droga. Primeiro, autorizou o plantio individual ou em clubes de cultivo (posse e consumo já eram liberados). Agora, a erva passa a ser vendida às claras em 16 farmácias do país.

A venda legal da maconha é restrita a cidadãos uruguaios ou residentes, que precisam se registrar para adquirir até 10 g por semana. De modo inédito, produção e distribuiç­ão ficam a cargo do Estado.

Outros países, como Portugal e Holanda, além de Estados dos EUA, descrimina­lizaram uso pessoal ou plantio caseiro. Só o Uruguai, porém, chegou à extravagân­cia de estatizar todo o processo, levando mais longe a bandeira dos críticos do paradigma proibicion­ista.

Não há exagero em afirmar que o vizinho de 3,5 milhões de habitantes atrairá as atenções de boa parte do mundo. Aspectos positivos e negativos da experiênci­a uruguaia, ainda que limitada à maconha, serão esgrimidos no que parecem contendas intermináv­eis entre quem apoia a guerra às drogas e quem advoga por sua legalizaçã­o.

Se observado em perspectiv­a, contudo, esse debate está em movimento —e o segundo grupo tem conquistad­o terreno.

Nos anos 1980, quase não havia controvérs­ia; “proibir” era a palavra de ordem. O consenso começou a se desfazer na década seguinte, quando diversos países europeus passaram a preservar usuários, punindo apenas traficante­s.

Consolidad­a a tendência, cresceu o grupo de personalid­ades insuspeita­s dispostas a sustentar as vantagens da descrimina­lização (eliminar ou abrandar penas para o consumidor) e da legalizaçã­o (autorizar produção e venda).

Os argumentos são sólidos. A guerra às drogas provou-se caríssima, ineficaz e proveitosa para os traficante­s. Já a legalizaçã­o pode gerar recursos para o Estado e garantir que os usuários com problemas sejam tratados em clínicas, e não em prisões, das quais não raro saem piores do que entram.

Adversário­s das medidas sempre disseram que a liberação das drogas implicaria aumento do número de consumidor­es e da criminalid­ade. A prática tem provado que esses temores são infundados.

No ano que vem, o Canadá seguirá o exemplo do Uruguai. Pode-se imaginar que, em breve, outros países farão o mesmo. De forma gradual, como deve ser, um paradigma insensato vai cedendo a um modelo muito mais racional. RIO DE JANEIRO -

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