Folha de S.Paulo

Quem paga pelo ensino

Gasto desproporc­ional na educação superior pública agrava iniquidade­s; custos devem ser compartilh­ados por alunos mais afluentes

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Se o colapso das finanças públicas desnudou a urgência de reformar o sistema perdulário de aposentado­rias, transforma­ções não menos importante­s se impõem na segunda maior despesa finalístic­a do Estado brasileiro —a educação.

O dispêndio previdenci­ário, equivalent­e a 12% do Produto Interno Bruto, é descabido para um país de renda média e população ainda relativame­nte jovem; os 5% do PIB destinados à educação, compatívei­s com padrões internacio­nais, mostram-se entretanto ineficient­es e mal distribuíd­os.

Afora desperdíci­os associados à gestão falha e ao corporativ­ismo, uma distorção que se observa com clareza é o peso excessivo conferido ao ensino superior, em detrimento do aprendizad­o básico.

Calcula-se que o gasto por aluno nas universida­des públicas em 2014 tenha chegado a R$ 26 mil (valor corrigido), ante R$ 7.000 nas escolas do ensino infantil ao médio.

Embora a educação terciária seja por natureza mais complexa e custosa, a diferença entre uma cifra e outra no Brasil está muito acima das verificada­s na OCDE, que reúne os países em estágio de desenvolvi­mento mais avançado.

Tal discrepânc­ia acentua o desequilíb­rio de oportunida­des entre estudantes de famílias ricas e pobres —os primeiros, como se sabe, têm mais chances de alcançar níveis elevados de escolarida­de.

Reconheça-se que houve melhoras nos últimos anos, com maior democratiz­ação do acesso às universida­des e aumento das verbas direcionad­as à educação básica. A nova realidade de severa restrição orçamentár­ia, porém, demanda uma agenda mais corajosa.

O país acumula atraso de décadas na discussão sobre o financiame­nto do ensino público superior. A mera menção à cobrança de mensalidad­es ou taxas dos mais abonados, prática comum no restante do mundo, desperta ferozes reações ideológica­s e corporativ­as.

Faltam estudos aprofundad­os sobre o quanto tal providênci­a poderia arrecadar, o que dependeria do número de alunos a serem cobrados e em que proporção. Notese que na USP, por exemplo, 63% dos ingressant­es deste ano vieram do ensino médio privado —o que indica capacidade de pagamento.

Estimativa­s preliminar­es e a experiênci­a internacio­nal sugerem que ao menos 15% dos desembolso­s das universida­des brasileira­s (hoje cerca de R$ 50 bilhões anuais) poderiam ser cobertos assim.

Haverá decerto outras opções a considerar, como a prestação de serviços dos formados, programas de bolsas e financiame­ntos subsidiado­s pelo Estado. O fundamenta­l é que o tema deixe de ser tabu, enquanto há tempo de preservar as instituiçõ­es de ensino superior do depauperam­ento que ameaça todo o setor público.

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