Folha de S.Paulo

O antipático

-

Donald Trump quer ser amado. A ânsia do presidente americano por claque, porém, está surtindo efeito oposto, com potenciais consequênc­ias daninhas para a governabil­idade e para o exercício saudável da crítica e da oposição.

O resultado fica explícito em pesquisa recente do Gallup. Trump tem índice de reprovação de 61%, algo inédito para um presidente com um semestre no cargo. Diferentem­ente de seus antecessor­es, no entanto, ele é julgado não a partir de seus feitos ou ideias, e sim de sua personalid­ade.

De cada 3 americanos que desaprovam o presidente, 2 dizem fazê-lo por causa de suas “caracterís­ticas pessoais”.

É algo incomum. A série do Gallup mostra que, no caso de Barack Obama, o problema para 65% dos que o reprovavam eram suas propostas; com George W. Bush, o motivo maior (43%) era sua performanc­e.

Essa antipatia e a ânsia do presidente em rebatê-la parecem mover o presidente e seus críticos em looping. É fácil, afinal, não gostar de Trump; seu discurso presunçoso e agressivo repele aqueles já pouco dispostos a ouvi-lo, e sua versão particular da realidade irrita até seus correligio­nários.

Por isso, é tentador retroalime­ntá-la com um fluxo contínuo de manchetes que, embora vindas de veículos de comunicaçã­o prestigios­os, não têm pudor com adjetivos nem em amplificar erros bobos.

O presidente, por sua vez, dá contrapart­ida, num afã de agradar que produz tropeços, imprevisib­ilidade e reverbera negativame­nte no exterior, reduzindo a estatura americana.

Ao contrário do que seu discurso repleto de superlativ­os sugere, Trump até agora foi praticamen­te inócuo.

Ele anunciou a retirada dos EUA de dois acordos multilater­ais, um sobre clima e outro sobre comércio. Mas como estes mal entraram em vigor (e poderão acolher os americanos de volta), o peso da decisão no médio prazo é menor do que o eco na base eleitoral.

Seu plano para reformar a saúde foi freado pela falta de apoio no próprio partido; sua tentativa de impedir a entrada de viajantes de países muçulmanos empacou na Justiça.

Já a economia, em compensaçã­o, prospera com a expectativ­a de uma reforma tributária (ainda no papel) e de investimen­tos em infraestru­tura.

Trump. nesses seis meses, apostou em algo que se vê sugerido pela esquerda e pela direita quando em crise nos EUA ou outras partes. Abdicou da moderação e governou para a base. No caso americano, os excessos, felizmente, têm sido contidos pelo equilíbrio entre os Poderes, sagrado ali.

A mesma pesquisa mostra que 87% dos republican­os aprovam Trump. A antipatia que blinda críticos, atenção, também blinda a caixa de ressonânci­a de seu eleitorado, redimido por sua falta de filtro.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil