Folha de S.Paulo

A culpa é da imprensa

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SÃO PAULO - Especialme­nte quando estão em apuros, políticos recorrem a supostos complôs entre a mídia e elites com interesse na manutenção do “statu quo” para explicar suas dificuldad­es e até o surgimento de denúncias contra sua administra­ção. O subtexto aqui é o de que os meios de comunicaçã­o não hesitam em utilizar sua capacidade de influir para instilar as preferênci­as ideológica­s de seus controlado­res no restante da população.

É uma ideia verossímil, mas será que é verdadeira? Na era do “big data”, dá para testar a hipótese, e foi isso que Matthew Gentzkow (Stanford) e Jesse Shapiro (Brown) fizeram num estudo de 2010. Em primeiro lugar, eles foram a uma base de 433 jornais dos EUA, que respondiam por 74% da circulação total. Em seguida, analisaram os textos noticiosos dessas publicaçõe­s e os classifica­ram segundo um “index” ideológico baseado na frequência de expressões mais usadas por democratas ou republican­os. Por exemplo, republican­os quase sempre se referem a um tributo sobre sucessões como “death tax” (imposto sobre a morte) enquanto democratas preferem usar “estate tax” (imposto sobre patrimônio).

De posse dessa classifica­ção, tentaram identifica­r fatores que faziam com que alguns jornais tendessem mais à esquerda e outros mais à direita. E o que eles descobrira­m é que as preferênci­as políticas dos leitores da área onde o jornal circulava explicavam muito melhor a linha editorial da publicação do que as inclinaçõe­s partidária­s de seus donos e diretores.

Não é que os proprietár­ios nunca puxem a brasa para a sua sardinha, mas que tendem a fazê-lo em situações específica­s e sem contrariar sistematic­amente as preferênci­as do leitorado. Faz sentido, já que a meta das empresas é ganhar dinheiro.

Se esses achados podem ser extrapolad­os para outros mercados, há mais perigo em a mídia atuar como uma caixa de ressonânci­a do público do que como uma quinta-coluna. helio@uol.com.br

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