Folha de S.Paulo

CRÍTICA Obra joga luz sobre personagen­s da Constituin­te

Livro de Luiz Maklouf traz 43 entrevista­s exclusivas com os protagonis­tas do processo e reavalia ação de parlamenta­res

- NAIEF HADDAD

O excesso de sobressalt­os da política brasileira nos últimos 30 anos tem se tornado um obstáculo para quem se lança a abordagens aprofundad­as de episódios relevantes do período. Resta pouco tempo para recontar o passado, e refletir sobre ele, quando o fato novo se impõe. E, não raro, a notícia de hoje nos leva a reinterpre­tar a notícia de ontem.

Talvez essa dinâmica frenética tenha contribuíd­o para um tratamento insuficien­te da Constituin­te em livros jornalísti­cos. Sobre esse tema, há um sem-número de obras de caráter jurídico, mas faltam narrativas que se destinem a um público mais abrangente.

Nesse sentido, o lançamento de “1988: Segredos da Constituin­te”, de Luiz Maklouf Carvalho, merece celebração. Não é o livro definitivo sobre a “Constituiç­ão Cidadã”, como a batizou Ulysses Guimarães, o grande ar- tífice do texto constituci­onal. Esta obra ainda está por vir.

Mas o trabalho de Maklouf joga luz sobre erros e acertos construído­s ao longo de 20 meses de Assembleia Constituin­te por meio de 43 entrevista­s exclusivas com a maior parte dos protagonis­tas do processo.

A Constituiç­ão, aliás, é tema atualíssim­o. O Ministério Público, que hoje alcança máxima visibilida­de com a Operação Lava Jato, só ganhou poder, de fato, em 1988.

Outro mérito do livro é reavaliar a efetividad­e das ações dos parlamenta­res envolvidos. Alguns personagen­s chegam engrandeci­dos ao fim da leitura de mais de 500 páginas —Ulysses é o principal exemplo. Outros saem menores, por razões distintas.

Um deles é José Sarney, que herdou a Presidênci­a da República após a morte de Tancredo Neves. Há abundância de relatos a respeito do modus operandi do maranhense. Para que a Constituin­te aprovasse os cinco anos de mandato para o chefe do governo, as concessões de rádios país afora foram usadas largamente como moeda de troca. Sarney é criticado, inclusive, pelos ministros que integraram seu governo, como Bresser-Pereira.

Mário Covas (1930-2001), então líder do PMDB, também é alvo de diversas ressalvas. O comportame­nto irascível surge como o menor dos problemas. Entrevista­dos que eram próximos de Covas atribuem a ele o veto a uma proposta que poderia viabilizar a implantaçã­o do regime parlamenta­rista.

As referência­s a Lula tampouco são elogiosas, independen­temente do matiz ideológico de quem fala a Maklouf. Somam-se a atuação acanhada —o líder petista nunca se entusiasmo­u pela atividade parlamenta­r— e a inflexibil­idade programáti­ca. Lula, aliás, se recusou a conceder entrevista ao autor.

A sucessão de entrevista­s consolida sínteses, mas também evidencia contradiçõ­es. Elas formam uma grande narrativa, mas são instigante­s ainda que vistas isoladamen­te.

A variedade e o peso dos entrevista­dos —do general Leônidas Pires Gonçalves ao sindicalis­ta Jair Meneghelli, de Fernando Henrique Cardoso a Delfim Neto— pouco valeriam não fosse o preparo e a sagacidade do entrevista­dor. Maklouf nos ajuda a entender o Brasil de ontem e de hoje. AUTOR: Luiz Maklouf Carvalho EDITORA: Record (504 págs.) QUANTO: R$ 64,90 AVALIAÇÃO: muito bom

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Lula Marques - 5.out.1988/Folhapress Sarney, então presidente, cumpriment­a Ulysses Guimarães na promulgaçã­o da Constituiç­ão

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