Trump troca ensino público por vouchers
Sistema em que Estado financia aluno em escola particular ganha reforço no Orçamento, mas tem pouco resultado
Especialistas criticam que recursos públicos sejam destinados a instituições com inclinação religiosa
Os cem estudantes do colégio Holy Angels, em Indianápolis (EUA), não têm dúvidas do que se almeja ali. Nos corredores e nas salas de aula, estão fixados cartazes com a mensagem “Nossos objetivos: faculdade e paraíso”.
Materiais didáticos se misturam a imagens de cruz na escola de ensino fundamental católica. Há missa semanal na quadra do colégio.
Administrativamente, o que chama atenção é que a maioria dos estudantes dessa escola fundamental particular é financiada com recursos públicos, graças à política implementada pelo Estado de Indiana, em 2011.
Chamada de vouchers, a iniciativa permite que um estudante que poderia ir para o ensino público migre para a rede particular. Com ele, vai o dinheiro que, inicialmente, seria das escolas públicas.
Tal uso de recursos é controverso nos Estados Unidos. Muitos especialistas entendem que a política quebra o conceito de separação entre Igreja e Estado, pois 70% das matrículas da rede particular estão em colégios de inclinação religiosa.
Apesar da polêmica, esse modelo de financiamento é um dos preferidos do governo Donald Trump para o ensino básico.
O Orçamento proposto pelo republicano para 2018 destina US$ 250 milhões específicos para expansão de vouchers e outro US$ 1 bilhão para a expansão de política chamada “school choice” (“escolha escolar”, que abrange vouchers e outras ações).
Isso num contexto de redução de 14% do Orçamento geral para a educação, um corte de US$ 9 bilhões. CONTROVERSO A vantagem dos vouchers, dizem os defensores da política, é dar opção aos alunos que poderiam ficar reféns de colégios públicos ruins.
Entusiasta do modelo, o prêmio Nobel de Economia Milton Friedman (1912-2006) defendia que vouchers também melhoram o sistema ao impor competição entre colégios, públicos e particulares, pelo dinheiro dos impostos.
A ideia foi encampada por Friedman em 1955 e cresce lentamente. Entre 55 milhões de alunos na educação básica americana, 450 mil usam vouchers ou sistemas semelhantes. Adotaram a política 25 dos 50 Estados.
Os resultados até agora não empolgam. Alunos que usaram os vouchers não tiveram desempenho melhor que os demais em Milwaukee, Cleveland e Washington DC.
A revisão de resultados foi feita pelo professor Luis Huerta, do Teachers College, da Universidade Columbia.
Estudos que usam notas de avaliações nacionais também não apontam vantagem para o sistema. Em Louisiana, os beneficiários dos vouchers chegaram a ter desempenho pior em matemática.
As hipóteses mais citadas para explicar o fraco desempenho são: as famílias às vezes não têm todos os subsídios para fazer uma boa escolha e grande número de escolas particulares não é melhor que as públicas.
“Até agora, parece uma falsa ilusão acreditar que a lógica de mercado ajuda a educação, como o governo Trump defende”, disse o professor da Columbia à Folha.
O próprio colégio Holy Angels, de Indianápolis, é um exemplo dessa dificuldade da rede privada. Numa escala de qualidade feita pelo Estado de Indiana que vai de A a F, o colégio tem tirado D.
Durante visita da reportagem à instituição, em maio, o diretor da escola, Matthew Goddard, afirmou que o perfil dos estudantes, de baixo nível socioeconômico, torna mais desafiadora a melhoria dos indicadores. VANTAGEM Entre famílias que usam os vouchers, um dos pontos positivos mais citados é que as escolas particulares oferecem segurança aos alunos.
“Na escola pública, não me senti bem atendido. A escola Eliminação de programas como treinamento de professores e aulas extras era muito grande, alguns professores não pareciam motivados para estar ali”, diz Nicholas Ford, 16, que hoje estuda com voucher numa escola particular de Indiana (Estado com o maior número de beneficiários do sistema).
Professor de matemática no colégio Providence Cristo Rey, também em Indianápolis, Jorge Lopez diz que o fato de o colégio ser católico traz um senso de comunidade importante para o bem estar dos estudantes.
Antes de cada aula, ele pergunta como os alunos estão se sentindo e se estão enfrentando algum problema.
O professor teve um aluno que perdeu um parente assassinado. “Ele estava atordoado. Os alunos propuse- ram uma reza. Não resolveu todos os problemas dele, mas ele se sentiu amparado.”
Como na Holy Angels, a maioria dos alunos na Providence não é católica. JUSTIÇA E RELIGIÃO A presença da religião nessa política tem sido alvo de discussões jurídicas.
Em uma das principais decisões sobre o tema, a Suprema Corte determinou em 2002 que o sistema não fere o princípio constitucional de separação Igreja-Estado, pois não foi desenhada especificamente para apoiar instituições religiosas.
O caso começou com um grupo de contribuintes de Ohio reclamando que seus impostos estavam financiando entidades religiosas.
Apesar da decisão da corte, Estados têm liberdade de vetarem o sistema.
O debate voltou com força devido a declaração da secretária de Educação escolhida por Trump, Betsy DeVos.
Em 2001, ela afirmou que reformas educacionais eram importantes para “avançar o reino de Deus” —DeVos tem fortes laços com a igreja evangélica. A declaração veio a público depois de ela ter sido escolhida por Trump.
Atualmente, DeVos prioriza em discursos a possibilidade de o “school choice” melhorar o ensino para alunos de baixa renda.
“Ninguém melhor que a família para definir qual a melhor escola para seu filho. Se ela quiser colégio religioso, qual o problema?”, diz Betsy Wiley, presidente do Institute For Quality Education, ONG que busca expandir o “school choice” em Indiana.
A organização defende que o sistema deva ter menos amarras. Em Indiana, há teto de renda familiar para que o estudante possa receber os vouchers, mas o limite é elástico o suficiente para contemplar famílias de classe média.
Tantas polêmicas têm feito até republicanos declararem que podem alterar o Orçamento de Trump. A decisão final deve sair nas próximas semanas.