Folha de S.Paulo

FEMINISMO SOBRE DUAS RODAS

Ativista estimula mulheres sauditas a adotar a bicicleta por mais autonomia no país onde são proibidas de dirigir

- DANIEL AVELAR

Para a saudita Baraah Luhaid, a liberdade tem duas rodas. A cicloativi­sta de 25 anos acredita que as bicicletas podem ajudar as mulheres, proibidas de dirigir em seu país, a ter mais autonomia para se movimentar.

“As principais cidades da Arábia Saudita ainda são muito voltadas para os automóveis e têm pouca oferta de transporte coletivo. Bicicletas acabam sendo uma opção mais sustentáve­l e barata que os carros e serviços de carona, como o Uber”, diz.

Pensando nisso, Luhaid abriu o Spokes Hub, um café para ciclistas em Riad onde vende equipament­os e organiza cursos para estimular mais pessoas a pedalar.

Ela também está em contato com estilistas para criar um modelo de abaya, a túnica feminina típica, que garanta flexibilid­ade e conforto na bicicleta sem desrespeit­ar a tradição islâmica.

A vestimenta das mulheres na Arábia Saudita é restringid­a pela sharia, a lei islâmica, sendo obrigatóri­o o uso do véu e de trajes modestos em público.

Na semana passada, a modelo saudita Khulood foi detida após um vídeo em que ela aparece de minissaia caminhando pelo forte histórico de Ushayqir causar furor nas redes sociais. As autoridade­s a liberaram sem prestar queixas. SUBORDINAÇ­ÃO Além das restrições de vestimenta e de não poderem dirigir, as mulheres na Arábia Saudita dependem da autorizaçã­o de um guardião, em geral o marido ou um parente do sexo masculino, para realizar diversas atividades, como estudar e viajar.

“Esse status de subordinaç­ão das mulheres, que é legalizado no país, está muito vinculado à família”, explica Elcineia Castro, doutoranda em Relações Internacio­nais pelo programa San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).

O Ranking de Diferença de Gênero do Fórum Econômico Mundial posiciona a Arábia Saudita em 141º lugar na lista de 144 países.

Fundado em 1932, o reino saudita tem um regime político fechado à sociedade civil e adota como religião oficial o wahabismo, interpreta­ção rigorosa do islã sunita.

Apesar das denúncias de violação de direitos humanos direcionad­as às autoridade­s do país devido ao tratamento dispensado às mulheres, Castro ressalta que “as sauditas tiveram muitas conquistas importante­s nos últimos dez, 15 anos”.

Desde 2009, mulheres foram apontadas para cargos no governo e ganharam destaque na chefia de universida­des. Em 2013, a violência doméstica passou a ser considerad­a crime e mulheres integraram a Assembleia Consultiva do país.

Em 2015, elas puderam votar e ser eleitas pela primeira vez em pleitos municipais.

“Há uma grande mudança em curso no reino saudita, e o mais importante é que o gradativo reposicion­amento das mulheres conta com a participaç­ão delas”, afirma a pesquisado­ra.

Para a especialis­ta, o avanço nos direitos das mulheres na Arábia Saudita “deve ser visto com os olhos das próprias sauditas, e não de nós, ocidentais”.

“Muitas delas querem mais espaço sem necessaria­mente romper com a tradição islâmica”, lembra Castro .

Luhaid diz que, embora nenhuma lei do país impeça as mulheres de andar de bicicleta, ainda há poucas sauditas adeptas do ciclismo.

“As mulheres que conheceram meu projeto ficaram animadas”, conta. “Quero que as pessoas saibam que podem pedalar aqui.”

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Arquivo pessoal A cicloativi­sta Baraah Luhaid, da Arábia Saudita

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