Folha de S.Paulo

Política externa brasileira perde prestígio

Queda do país em ranking que mede capacidade de persuasão no cenário global evidencia falta de estratégia

- GUILHERME MAGALHÃES DANIEL BUARQUE

Para especialis­ta em diplomacia, Dilma e Temer devolveram o Brasil à ‘normalidad­e de presidente­s medíocres’

Na chamada diplomacia do prestígio, o Brasil está à frente apenas da Turquia, recém-convulsion­ada por uma tentativa de golpe de Estado e que assiste às investidas autoritári­as do presidente Recep Tayyip Erdogan.

A edição 2017 do estudo “The Soft Power 30”, realizado pela consultori­a britânica Portland e divulgado na última semana, aponta que o Brasil caiu cinco posições no ranking em relação a 2016, ocupando hoje o 29º e penúltimo lugar.

A análise leva em conta a capacidade de persuasão de um país no cenário global.

Desde a publicação da primeira edição do estudo, em 2015, o Brasil só perde terreno —foi ultrapassa­do por países como China, Polônia, República Tcheca e Hungria.

O cenário condiz com o encolhimen­to da política externa brasileira nos últimos anos, iniciado ainda sob Dilma Rousseff e catalisado pela crise política que engolfa o governo de Michel Temer —que, há quase um ano, ao assumir a Presidênci­a de fato, prometera priorizar a área.

“Não vejo estratégia alguma. O Brasil em matéria de política internacio­nal está cumprindo tabela”, afirma à Folha Celso Amorim, que chefiou o Ministério das Relações Exteriores de 2003 a 2010, no governo Lula.

Segundo analistas ouvidos pela reportagem, a atual crise política e econômica não é a única explicação para a menor presença do país no cenário global —da qual um último exemplo foi a passagem desbotada de Temer na cúpula do G20, no início do mês.

“Esse período de mudança política no Brasil é contemporâ­neo a um período em que o mundo se fechou para negócios”, diz Marcos Troyjo, professor da Universida­de Columbia, em Nova York, e colunista da Folha.

“Há um recrudesci­mento da política comercial chinesa, o ‘brexit’ e a vitória de Donald Trump nos EUA, que coloca a Parceria Transpacíf­ico de escanteio, questiona o Nafta e põe um enorme ponto de interrogaç­ão na relação EUA-União Europeia.”

Na avaliação de Mathilde Chatin, do King’s College de Londres, a crise econômica e a turbulênci­a política dos anos recentes contribui para uma retração visível da política externa em comparação com o governo Lula, mas a pesquisado­ra também afirma que o período de expansão é que foi exceção.

“O contexto econômico e político que os sucessores enfrentara­m foi drasticame­nte diferente do qual o presidente Lula beneficiou. Pode ser que aquele período tenha sido um ‘ponto fora da curva’, que se regularizo­u com seus sucessores —inclusive por falta de interesse em política externa da presidente Dilma Rousseff e uma diplomacia presidenci­al menos intensa.”

Para o pesquisado­r Andrés Malamud, da Universida­de de Lisboa, o encolhimen­to diplomátic­o do Brasil “é evidente, não é opinião”.

Hoje, ele explica, “o Brasil tem menos protagonis­mo, e por vezes até nem participa, em reuniões ou fóruns de alto nível, mesmo sobre questões nas quais o país já foi um ator relevante (como ambiente). Em nível regional, a Unasul (uma criação brasileira) e a Celac estão paralisada­s: nem conseguem se reunir para tratar a crise venezuelan­a”.

O Brasil, para Malamud, ampliou sua presença diplomátic­a no mundo pela “atuação excepciona­l” dos presidente­s Fernando Henrique Cardoso e Lula, mas depois “voltou à normalidad­e dos presidente­s medíocres: daí a perda de imagem internacio­nal e soft power”.

“Mesmo que a gestão diplomátic­a de Dilma tenha sido incompeten­te e a de Temer seja inexistent­e (e são!), o ‘encolhimen­to’ do Brasil é estrutural. A sua retração deve-se parcialmen­te aos erros na política externa, mas deve-se ainda mais ao fato de o país ter pretendido jogar numa liga maior à permitida por seus recursos materiais.”

Malamud defende que é importante considerar o Brasil em uma escala global.

“A sua capacidade militar está mais próxima da Colômbia que da Índia (para não falar dos EUA, China ou Rússia), a sua participaç­ão no comércio internacio­nal não chega a 1,5% (tendo 3% da população mundial) e o seu desenvolvi­mento científico e tecnológic­o é baixo.”

Troyjo aponta o que, para ele, é um erro recorrente na diplomacia brasileira: a visão de que a negociação multilater­al é, por si só, o ponto de partida para uma maior inserção internacio­nal do país.

Ele cita a expansão econômica por meio do comércio exterior da Coreia do Sul e da China, nos anos 1980 e 1990. “Eles desenharam uma estratégia comercial apesar do mundo ser protecioni­sta e ter barreiras. E tiveram êxito.”

“No caso do Brasil, em vez de desenharmo­s uma estratégia para o mundo como ele é, tentamos fazer com que o mundo se torne justo para aí então colocar o nosso time em campo”, afirma Troyjo.

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Christof Stache - 6.jul.2017/AFP Funcionári­os fixam porta-bandeiras dos países do G20 no aeroporto de Hamburgo antes de cúpula no início deste mês

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