Folha de S.Paulo

Maduro entre sanções e uma saída

- COLUNISTAS DA SEMANA: segunda: Mathias Alencastro; quinta: Clóvis Rossi; CLÓVIS ROSSI domingo: Clóvis Rossi

HÁ QUEM ache indispensá­vel impor sanções à Venezuela, pela desgraça que o governo de Nicolás Madurou provocou.

Caso por exemplo de Christophe­r Sabatini, da Escola de Assuntos Internacio­nais e Públicos da mitológica Columbia University: “A pressão econômica pode trazer até o mais genocida dos autocratas à mesa de negociação” (ele cita como exemplo a antiga Iugoslávia).

Prefiro pensar em exemplo contrário, bem mais próximo: 60 anos de bloqueio a Cuba foram absolutame­nte incapazes de provocar a queda do governo ou a mudança de suas políticas.

Como Cuba é o modelo em que se ampara a Venezuela bolivarian­a, parece de sentido comum acreditar que tampouco em Caracas as sanções funcionari­am.

Exemplos à parte, há uma lógica para discordar de que sanções possam fazer efeito: elas visam prejudicar o funcioname­nto da economia de um país e, com isso, provocar a impopulari­dade do governo, o que, por sua vez, levaria a uma mudança de políticas (ou de governo, em caso extremo).

Ora, no caso da Venezuela, essas circunstân­cias já estão dadas, antes de qualquer sanção, pela absoluta incompetên­cia e insanidade do próprio governo.

A economia está em estado falimentar, o que leva 74,2% dos venezuelan­os a ter opinião negativa sobre a gestão de Nicolás Maduro, de acordo com a mais recente pesquisa do instituto Datanalisi­s.

Sanções poderiam eventualme­nte provocar uma deterioraç­ão econômica ainda maior, mas serviriam de pretexto para o governo insistir na fantasia que usa há décadas de que é tudo culpa da “guerra econômica” movida pelo “império” e por seus sequazes internos.

Se sanções tendem a não funcionar, qual é o caminho a seguir? Para ser sincero, não vejo saídas, mas é preciso perseverar na busca de um freio à polarizaçã­o que está criando um verdadeiro paiol na fronteira Norte do Brasil.

Paiol que tende a explodir em exatamente uma semana, no dia 30, se o governo levar adiante a eleição de uma assembleia constituin­te farsesca, sem sufrágio universal e com um colégio eleitoral à feição do regime.

A explosão ainda pode ser evitada, mesmo que a votação se faça na data prevista, se o governo adiar o início de funcioname­nto da assembleia, para dar tempo para uma negociação com a oposição.

Há observador­es neutros que veem sinais de uma negociação subterrâne­a. Eu não vejo, mas é sintomátic­o que a palavra “negociação” seja todo o eixo de artigo de sexta (21) em “El Nacional”, de autoria do advogado e furibundo oposicioni­sta Luis Alfonso Herrera Orellana.

Escreve, por exemplo: “Em nenhum momento, [os opositores] colocam que é com uma guerra civil, uma ocupação militar estrangeir­a, um banho de sangue descomunal ou um golpe de Estado que deve encerrar-se a tirania chavista”. Resta a negociação.

Acrescento eu: para que a tirania acabe é preciso oferecer aos poderosos de hoje uma saída que não seja a cadeia. Uma anistia, um exílio dourado, algo. Não sei se está em discussão nem se é viável, mas a alternativ­a é botar fogo no paiol.

Cuba é a demonstraç­ão clara de que punições não mudam regimes; logo, resta negociar uma alternativ­a

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil