Trabalhador rural sofre com recessão e seca no NE
De cada três que perderam ocupação, um era nordestino e estava no campo
Quem conseguia trabalhar por conta própria ou em serviços temporários parou por causa de longa estiagem
Numa estrada coberta de lama, Cláudio Santos de Jesus, 42, segue caminhando até um povoado de Terra Nova, cidade de 13 mil habitantes a 81 km de Salvador. Desempregado, aproveita para assuntar sobre uma possível vaga no povoado vizinho ao de Paranaguá, onde mora.
Nos últimos dez meses, só conseguiu trabalho temporário: cortou bambu em um assentamento de trabalhadores sem-terra. Antes, cultivou capim numa fazenda da cidade, trabalhando por jornada, sem carteira assinada.
Desde que foi demitido, ele, a mulher e os quatro filhos, com idades entre 4 e 14 anos, vivem exclusivamente dos R$ 202 que recebem do Bolsa Família. “Sou sustentado pelos meus filhos”, diz.
A situação dele reflete as dificuldades enfrentadas por algumas das maiores vítimas da prolongada recessão enfrentada pelo país —ainda agora, quando a economia começa a exibir sinais tênues de recuperação e volta a criar empregos em alguns setores.
A taxa de ocupação despencou na região, a que mais cresceu nos anos de bonança antes da crise. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 2,3 milhões de brasileiros que tinham algum tipo de ocupação ficaram sem trabalho entre o primeiro trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2017.
Deste total, 69% —1,5 milhão de trabalhadores— estão no Nordeste. A maioria, cerca de 875 mil, trabalhava na agricultura, na pecuária e na pesca. Os dados incluem vagas formais, informais e trabalho por conta própria.
Ou seja, de cada 3 brasileiros que ficaram sem ocupação com a crise, 1 trabalhava no campo no Nordeste.
“Os vínculos de trabalho ligados às atividades rurais, em sua maioria informal, estão sendo os mais devastados”, diz o economista baiano Antônio de Pádua Melo Neto, analista de políticas sociais do Ministério do Trabalho.
Do contingente total de 14 milhões de desempregados do país, 4 milhões estão no Nordeste. A Bahia lidera, com 18,6% da força de trabalho desocupada. Alagoas e Pernambuco vêm na sequência.
Um dos problemas que agravaram a crise no Nordeste é a prolongada seca que atingiu a região, que já dura seis anos e é a pior registrada nas últimas cinco décadas.
Na região de Juazeiro (BA), a conjugação da estiagem com a crise fez crescer a massa de desocupados. Trabalhadores que atuavam por conta própria ou conseguiam serviços temporários em pequenas fazendas hoje estão parados.
“Na época boa, o trabalhador plantava a própria roça de feijão e milho, e ainda contratava vizinhos para ajudar. Hoje, sem chuva desde 2012, a maioria deixou de plantar”, diz Emerson José, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Juazeiro.
Segundo ele, já é possível notar um novo êxodo rural, com trabalhadores deixando o campo para ir para as cidades. “As pessoas têm que fazer sua feira, comprar remédio. Se não têm como plantar, buscam uma alternativa.”
Não houve demissões em massa no agronegócio, mas a falta de água travou as empresas. “Temos uma crise hídrica que pode comprometer a irrigação. Num cenário desses, ninguém investe para aumentar a produção”, diz José Gualberto Almeida, presidente da Valexport, que representa produtores da região.
A mecanização também tem reduzido vagas no agronegócio. O corte de cana-deaçúcar, que costumava criar 1.500 vagas sazonais na região de Juazeiro, hoje gera apenas 800 vagas, afirma o sindicato dos trabalhadores.
Na construção, 390 mil nordestinos deixaram de ter ocupação com a paralisação de grandes obras em andamento na região. Na indústria, 285 mil ficaram sem trabalho.
Dionísio Batista da Silva, 51, demitido da Usina Aliança e há três anos parado, sobrevive vendendo feijão e quiabo “quando tem”. Os dois filhos mais velhos foram para Salvador em busca de emprego. Na quinta (20), choveu um pouco e ele decidiu plantar milho e feijão. “Tenho sorte porque tenho meu pedacinho de terra. Imagine quem não tem.”