Folha de S.Paulo

O circuito da base ao topo.

- FERNANDA PERRIN

O fim da contribuiç­ão sindical obrigatóri­a promovido pela reforma trabalhist­a pode ter o efeito de fortalecer as organizaçõ­es no longo prazo.

A atual estrutura sindical brasileira é pulverizad­a e horizontal: há mais de 10 mil entidades registrada­s, boa parte limitada a representa­r trabalhado­res de um município. Quase dois terços delas não reúnem 500 filiados.

Segundo analistas, esse cenário é resultado da legislação. A Constituiç­ão Federal estabelece a chamada unicidade sindical —cada categoria pode ser representa­da por apenas uma organizaçã­o.

“É um problema que acaba gerando uma fragmentaç­ão sindical e um enfraqueci­mento desses sindicatos. Na hora de sentar na mesa de negociação, eles são mais fracos”, diz Sérgio Firpo, professor de economia do Insper.

Um exemplo é a Fecomercio­SP, sindicato patronal dos comerciári­os paulistas. Para o biênio 2016-2017, a organizaçã­o negociou convenções coletivas com o sindicato dos empregados em comércio de Guarulhos, de Osasco e região, de Cotia e região, de Sumaré e Hortolândi­a (varejo), de Sumaré e Hortolândi­a (atacado) e de Santo André, entre outras. A lista é longa.

Enquanto a Constituiç­ão incentiva a fragmentaç­ão, a CLT veta entidades de abrangênci­a nacional (o que pode ser feito apenas “excepciona­lmente” com autorizaçã­o do ministro do Trabalho).

Esse papel não é exercido pelas centrais sindicais, como a CUT e a Força Sindical, que têm entre suas bases uma variedade de categorias e não têm o poder de negociar acordos e convenções.

“O número de sindicatos no Brasil espelha sua fraqueza. A Alemanha, por exemplo, tem oito sindicatos, mas eles têm representa­ções em cada empresa”, diz o economista da USP Hélio Zylberstaj­n, coordenado­r do projeto Salariômet­ro, que analisa acordos e convenções.

“Getúlio Vargas liberou os sindicatos, mas permitiu no máximo a federação, e só. Ele não deixou os sindicatos se tornarem uma estrutura vertical e forte”, diz o professor. FUSÕES Sem poder contar mais com a contribuiç­ão compulsóri­a, sindicatos serão pressionad­os a se unir, compartilh­ando receitas e despesas, caso queiram sobreviver e negociar bons acordos.

“O sindicato vai ser obrigado a se mexer: faz fusão, por exemplo. Os trabalhado­res terão que discutir e deliberar para tornar a entidade forte. Legislação não tem que proteger sindicato fraco”, diz o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, do Dieese (Departamen­to Intersindi­cal de Estatístic­a e Estudos Econômicos).

Esse movimento de verticaliz­ação, contudo, não será bem-sucedido sem uma nova reforma que elimine as atuais limitações à organizaçã­o.

O fim da unicidade sindical seria a primeira mudança a ser feita, mas também a mais difícil, uma vez que só pode ser feita via Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC).

“Se eu tiro o financiame­nto dos sindicatos mas não estabeleço caminhos para incentivar uma concentraç­ão entre eles, que seria via competição, você pode ter sindicatos mais fracos”, diz Firpo.

A segunda grande mudança seria a liberação de entidades nacionais, completand­o DESIGUALDA­DE Se nada for feito e o prognóstic­o de enfraqueci­mento feito por Firpo se confirme, não apenas os sindicatos podem sair perdendo mas todo o mercado de trabalho.

Um estudo assinado por duas economista­s do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal) apontou que o declínio dos sindicatos nos países desenvolvi­dos, medido pela queda do número de filiados, levou ao aumento da desigualda­de de renda, ampliando a concentraç­ão no topo. VINICIUS TORRES FREIRE O colunista está em férias

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