Folha de S.Paulo

Desafiando preconceit­os, modelo com 1,30 m vira ‘top’ pela inclusão

Para Cris Oliveira, pessoas com nanismo ainda são ‘invisíveis’ ou alvo de bizarrices

- PEDRO DINIZ

FOLHA

Cristiane Oliveira, 33, faz o tipo “mulherão”. Seus 47 kg distribuíd­os em 1,30 m e as curvas proeminent­es são motivos de orgulho e fazem sucesso em desfiles de moda.

Nascida no interior da Bahia e radicada em São Paulo desde os nove anos, ela é um ser humano raro. A cada 20 mil pessoas, apenas uma nasce com nanismo —e menos ainda devem ser como ela, que além disso também é modelo, gestora de recursos humanos, ativista e consultora de moda.

A deficiênci­a congênita que aos poucos comprime as vértebras C3 e C2 não a impede de viajar muitos quilômetro­s de ônibus para subir numa passarela, “o momento em que posso ser eu mesma”.

Desde 2014, quando a convite de uma amiga, também pequena, viajou a Florianópo­lis (SC) para um concurso de moda, Cristiane virou top em seu meio. Alta para os padrões do nanismo, tem dois eventos até novembro. BELEZA Embora não ganhe R$ 1 com a profissão, Cris Oliveira, nome artístico, roda o país desafiando o preconceit­o que associa pequenos ao humor escrachado e à bizarrice dos números circenses.

“Somos invisíveis para o governo, que não faz contagem dos pequenos, para as famílias, que preferem nos esconder, e para a moda, que não se preocupa em fazer nos sentirmos bonitos”, diz.

O problema da falta de padrão de medidas no país, que faz um tamanho “M” ser diferente de uma marca para outra, é ampliado em progressão geométrica para quem tem nanismo.

“Nossas proporções são diferentes, os braços são mais curtos, as pernas e os glúteos mais cheios. Na grade de hoje nada fica bem. A moda ou nos veste como duendes— como uma estilista já pediu para eu desfilar— ou como sacos de batata. Nos ridiculari­zam, porque simplesmen­te não existimos para a maioria das pessoas”, diz. “Não nasci para usar burca.”

Também não bastaria cortar as barras das calças. A modelagem de um par de jeans envolve, por exemplo, deixar a largura das coxas maior do que os joelhos ou a barra e garantir que padrões do tecido estejam no lugar certo. Camisas de manga longa e vestijo dos com decote têm o mesmo problema de proporção, e, por isso, muitas vezes, estão fora da maioria dos armários.

Um dos poucos projetos criados para minimizar o problema é o curso de moda inclusiva promovido pelo Centro de Tecnologia e Inclusão da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiênci­a de São Paulo. É gratuito e a cada semestre a programaçã­o instrui mais de uma dezena de alunos.

A falta de peças condizente­s com o corpo pequeno promove um efeito “destruidor da autoestima”. “Tem gente que nem sai de casa para socializar porque não tem roupa. A depressão é consequênc­ia, e isso mata mais do que se imagina. Conheci uma adolescent­e que de tão triste pegou pneumonia, morrendo logo depois.” PEQUENA VAIDADE Uma das preocupaçõ­es de Cris Oliveira é manter o nível de serotonina sempre elevado. Os mais de 3.000 amigos no Instagram, metade deles anões, os diversos grupos que cria no WhatsApp para conversar com iguais e um esto- de maquiagem invejável com vários batons vermelhos e rímeis ajudam na missão.

Para sair à noite, prefere vestidos de elastano, como o que usou para a foto desta reportagem, sempre curtos “tipo Kim Kardashian”.

“Não vou negar, faço o estilo periguete. Adoro quando a barra do vestido sobe um pouquinho quando ando. Me sinto poderosa”, afirma.

A autoestima, “um pouco baqueada porque perdi meu emprego nesta crise e por isso parei o pilates, que ajudava nas minhas dores”, melhorou quando o cearense José Nairton, 28, apareceu dando “likes” na internet.

O namoro virtual virou real há mais de um ano e Nairton fez Cris vencer uma de suas poucas limitações. Ela nunca havia namorado um anão, porque só considerav­a se relacionar com homens de estatura baixa, mas com mais de 1,40 m —limite que separa o nanismo.

“Não tinha desejo [por anões] por causa do meu próprio preconceit­o enrustido”, conta. Hoje, Nairton mora na casa da modelo em Diadema, na Grande São Paulo. Eles se consideram casados, mesmo sem papéis, festa e grinalda. Pelo menos por enquanto.

É que pouco antes de o casal se conhecer, Cris protagoniz­ou um editorial de noivas e gostou do resultado.

“Tá na hora de ele [o namorado] me levar no altar, né? Quero usar tomara-que-caia, branco e com cauda sereia. Tudo a que tenho direito.”

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Marlene Bergamo/Folhapress Cris Oliveira, 33, que é modelo, gestora de recursos humanos e ativista pelos direitos das pessoas com nanismo; ela gosta de vestidos colados e diz que faz o estilo ‘periguete’
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Arquivo pessoal À esquerda, Cris participa, com outras modelos anãs, de ensaio com trajes de noiva

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