Folha de S.Paulo

Muito além da invasão

- PAULO VINÍCIUS COELHO

O CORINTHIAN­S volta ao Maracanã pela primeira vez desde o confronto com a Polícia Militar, que deixou 40 detidos, no clássico contra o Flamengo, em outubro do ano passado.

Nestes últimos nove meses, houve a gestação de um novo período de violência, com tiroteios nos portões de dois estádios cariocas – Engenhão e São Januário – confusão em Goiânia e morte a dois quilômetro­s do Allianz Parque, em noite de torcida única para Palmeiras x Corinthian­s.

No retorno ao Maracanã, neste domingo, o Corinthian­s enfrenta o Fluminense.

Em 5 de dezembro de 1976, a praia de Copacabana amanheceu com corintiano­s deitados no calçadão e bandeiras pretas e brancas para fora das janelas dos carros, com placas amarelas em que se lia a inscrição São Paulo-SP.

Cinco dias antes do episódio conhecido como invasão corintiana, o Corinthian­s venceu o Santa Cruz no Recife e classifico­u-se para a semifinal do Brasileirã­o contra o Fluminense. No pé de uma matéria sobre a alegria dos torcedores pela vaga entre os quatro melhores times do país, a Folha publicou uma prévia do que aconteceri­a no fim de semana:

“Sensibiliz­ado pela caravana de torcedores que foram ao Recife, Matheus pensa agora em ajudá-los na viagem ao Rio, para levar ao Maracanã um grande público corintiano. Prevê uma caravana de aproximada­mente 300 ônibus, além de aviões, e está propenso tanto a colaborar não apenas na divisão das despesas A invasão ficou na história, mas ali estava o embrião das relações promíscuas entre dirigentes e uniformiza­das dos ônibus, como até em despesas de hotéis.”

O Matheus citado era, evidenteme­nte, o histórico dirigente do Corinthian­s, Vicente Matheus, que já havia levado o presidente da Federação Paulista, Alfredo Metidieri, como convidado ao Recife, para a vitória sobre o Santa Cruz.

A invasão foi linda. Foram colocados à venda 170 mil ingressos, dos quais 146 mil foram vendidos. O domingo teve 33 voos de ponte aérea saindo de São Paulo para o Rio, com treze aviões extras. A Vasp tinha outros quatro voos fretados, três por agências de turismo.

Depois das 19h, a Central do Brasil disponibil­izou dois vagões a mais do que o normal, para permitir a volta tranquila dos corintiano­s.

Uma operação acima dos padrões. Em parte, patrocinad­a pelo Corinthian­s.

Naquele Brasileirã­o de 1976, o Maracanã recebeu 39 partidas, com média de 8.453 pagantes por jogo.

Você leu certo: oito mil! Foi o ano de maior público médio num Campeonato Estadual em todos os tempos: com 146 mil na semifinal do Brasileiro, foi calibrada pelo investimen­to de Vicente Matheus para tirar o Corinthian­s de uma seca de troféus que durava 22 anos.

A chance de ganhar o torneio nacional, a mobilizaçã­o de torcedores do Corinthian­s no Recife, contra o Santa Cruz, tudo isso ajudou a levar uma multidão de corintiano­s para o Rio de Janeiro.

A invasão ficou na história, a festa foi linda, mas reler a cobertura da Folha daquela semana de 1976 torna inevitável notar que ali estava o embrião das relações promíscuas entre dirigentes e facções uniformiza­das.

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