Folha de S.Paulo

Lúcifer, belzebu e satanás

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SÃO ATERRORIZA­NTES os impactos causados por três gêneros de produtos que se populariza­ram rapidament­e mundo afora sem que a humanidade tenha conseguido assegurar a destinação inteligent­e deles no momento em que são descartado­s como resíduos. Todos são reciclávei­s, mas isso não é suficiente para que tenham valor na cadeia produtiva que coleta e reinsere esses produtos no mercado.

A maior parte das cápsulas de café, por exemplo, não é reciclada. Algumas estimativa­s dão conta de que, se essas cápsulas fossem enfileirad­as lado a lado, seria possível dar, no mínimo, dez voltas e meia em torno do planeta. No início do ano passado, Hamburgo, a segunda maior cidade da Alemanha, resolveu banir as cápsulas de café das repartiçõe­s públicas para não agravar a situação. Será que George Clooney —um dos atores mais politicame­nte corretos do cinemão americano— já se arrependeu de ter emprestado seu charme às cápsulas?

Enquanto isso, o isopor se multiplica assustador­amente no varejo, sendo cada vez mais utilizado para a fabricação de copos, pratos, bandejas e caixas que levam, no mínimo, 150 anos para se decompor. O preço baixo explica a popularida­de do isopor, que, embora seja reciclável, é leve demais para despertar o interesse dos catadores que ganham seu sustento a partir do peso dos materiais. Em vários lugares do mundo, o volume crescente de isopor se tornou um pesadelo. Nos Estados Unidos, pelo menos 70 cidades (entre as quais Washington, São Francisco e Seattle) decidiram banir as embalagens de isopor.

O tempo que você levou para chegar até essa parte do texto foi suficiente para que a humanidade descartass­e mais 900 mil garrafas PET por aí. A cada segundo, 20 mil garrafas PET são jogadas fora no mundo. O descarte de materiais plásticos assombra a comunidade científica. Em 65 anos, a produção foi multiplica­da por 183 (4,8 milhões de toneladas por ano em 2015), sendo que apenas 5% disso chegam a ser reciclados. Boa parte desses materiais vai parar nos oceanos e, ao ser confundida com alimentos, provoca a morte de aproximada­mente 100 mil animais de várias espécies marinhas. Esse lixo vai se degradando lenta e progressiv­amente até virar microplást­ico (do tamanho de bactérias), entrar na cadeia ecológica e parar dentro de nós quando ingerimos frutos do mar.

A humanidade dispõe de tecnologia para virar esse jogo, promover uma ampla reengenhar­ia de processos inspirada no ecodesign e não emporcalha­r dessa forma a nossa “casa comum”. Enquanto isso não acontece, faça a sua parte: discrimine —ou descarte adequadame­nte— esses e outros produtos reconhecid­amente ameaçadore­s ao nosso equilíbrio e bem-estar.

Cápsulas de café, embalagens de isopor e garrafas PET são os maiores inimigos da reciclagem hoje

AMÉRICO JOSÉ escreve na próxima semana

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