Brecha na Lei da Ficha Limpa pode beneficiar Lula em 2018
Dispositivo permite que condenado vá ao STJ para garantir candidatura
Procurador prevê que mecanismo será ‘decisivo’ caso petista seja condenado na segunda instância
Se for condenado em segunda instância no caso do tríplex de Guarujá, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode recorrer a cortes superiores para garantir sua candidatura na eleição de 2018.
A Lei da Ficha Limpa impede que candidatos condenados por órgão colegiados (formados por grupos) sejam candidatos, mas um de seus artigos deixa uma abertura.
Ele estabelece que os tribunais superiores, a pedido dos réus, podem suspender a inelegibilidade de candidatos já condenados na Justiça. Seria uma espécie de liminar concedida em meio à campanha.
Lula foi condenado neste mês por Sergio Moro a 9,5 anos de prisão por corrupção e lavagem e recorre em liberdade. O caso irá para a segunda instância, no TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.
Se o TRF ratificar a decisão de Moro, o ex-presidente ficaria barrado da eleição de 2018.
Em um cenário em que a confirmação da sentença saia antes do prazo de registro de candidatura, em agosto do próximo ano, Lula poderia pedir ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) que garanta a ele o direito de concorrer.
Especialistas afirmam que esse artigo, o 26-C, foi adicionado pelo projeto da Ficha Limpa na Lei 64/90 para evitar que uma decisão ainda passível de modificações produzisse um dano irreversível a um candidato, ao excluí-lo da eleição.
Esse dispositivo, porém, traz uma consequência adicional de peso para o caso criminal: ele precisaria ser julgado com prioridade no STJ, à frente de outros casos pendentes há mais tempo.
O procurador regional eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, de São Paulo, prevê que o mecanismo seja “muito decisivo” para a situação de Lula no próximo ano. “Em caso de condenação, o assunto vai ser resolvido entre o TRF e um relator no Superior Tribunal de Justiça.”
Um dos idealizadores da Ficha Limpa, o ex-juiz Márlon Reis afirma que o uso do artigo é “raríssimo” porque o réu corre um risco ao reivindicálo: embora eventualmente garanta a candidatura, pode ter uma decisão final antecipada sobre seu caso criminal, já que o trâmite terá prioridade.
“Com essa liminar, ele [réu] atrai para si uma velocidade que nenhum advogado de um condenado quer. É um preço alto demais a pagar para participar de uma campanha.”
Gonçalves discorda e diz que provavelmente não haveria tempo, antes da eleição e eventual posse, para um julgamento definitivo do processo criminal. Com a posse, o presidente ganha imunidade temporária em processos não relacionados ao mandato.
O dispositivo acabou incluído da Ficha Limpa nas negociações para a aprovação da lei no Congresso, em 2010.
“Tivemos a cautela de estabelecer uma série de elementos que não tornassem a liminar [de suspensão da decisão colegiada] desejável”, afirma Márlon Reis.
Em 2014, o vereador do Rio César Maia (DEM), então candidato a senador, conseguiu no STJ um efeito suspensivo contra sua inelegibilidade, que tinha sido provocada por decisão que o condenou no Tribunal de Justiça do Rio por improbidade administrativa —diferentemente do processo de Lula, contudo, não envolvia a esfera criminal. SORTEIO Esse tipo de apelação não passa pelo Tribunal Superior Eleitoral. O procurador Gonçalves vê um ponto adicional: a decisão de declarar ou não a suspensão da inelegibilidade caberia inicialmente a um único ministro do STJ, o que aumenta a incerteza. O juiz seria definido por sorteio.
Não haveria tempo, diz o procurador, para a questão ser discutida no Supremo Tribunal Federal antes da eleição.
Se a condenação no TRF sair após o registro da candidatura, Lula pode ser alvo de um outro tipo de recurso e, se vencer nas urnas, não receber o diploma de eleito.