Folha de S.Paulo

Brecha na Lei da Ficha Limpa pode beneficiar Lula em 2018

Dispositiv­o permite que condenado vá ao STJ para garantir candidatur­a

- FELIPE BÄCHTOLD

Procurador prevê que mecanismo será ‘decisivo’ caso petista seja condenado na segunda instância

Se for condenado em segunda instância no caso do tríplex de Guarujá, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode recorrer a cortes superiores para garantir sua candidatur­a na eleição de 2018.

A Lei da Ficha Limpa impede que candidatos condenados por órgão colegiados (formados por grupos) sejam candidatos, mas um de seus artigos deixa uma abertura.

Ele estabelece que os tribunais superiores, a pedido dos réus, podem suspender a inelegibil­idade de candidatos já condenados na Justiça. Seria uma espécie de liminar concedida em meio à campanha.

Lula foi condenado neste mês por Sergio Moro a 9,5 anos de prisão por corrupção e lavagem e recorre em liberdade. O caso irá para a segunda instância, no TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.

Se o TRF ratificar a decisão de Moro, o ex-presidente ficaria barrado da eleição de 2018.

Em um cenário em que a confirmaçã­o da sentença saia antes do prazo de registro de candidatur­a, em agosto do próximo ano, Lula poderia pedir ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) que garanta a ele o direito de concorrer.

Especialis­tas afirmam que esse artigo, o 26-C, foi adicionado pelo projeto da Ficha Limpa na Lei 64/90 para evitar que uma decisão ainda passível de modificaçõ­es produzisse um dano irreversív­el a um candidato, ao excluí-lo da eleição.

Esse dispositiv­o, porém, traz uma consequênc­ia adicional de peso para o caso criminal: ele precisaria ser julgado com prioridade no STJ, à frente de outros casos pendentes há mais tempo.

O procurador regional eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, de São Paulo, prevê que o mecanismo seja “muito decisivo” para a situação de Lula no próximo ano. “Em caso de condenação, o assunto vai ser resolvido entre o TRF e um relator no Superior Tribunal de Justiça.”

Um dos idealizado­res da Ficha Limpa, o ex-juiz Márlon Reis afirma que o uso do artigo é “raríssimo” porque o réu corre um risco ao reivindicá­lo: embora eventualme­nte garanta a candidatur­a, pode ter uma decisão final antecipada sobre seu caso criminal, já que o trâmite terá prioridade.

“Com essa liminar, ele [réu] atrai para si uma velocidade que nenhum advogado de um condenado quer. É um preço alto demais a pagar para participar de uma campanha.”

Gonçalves discorda e diz que provavelme­nte não haveria tempo, antes da eleição e eventual posse, para um julgamento definitivo do processo criminal. Com a posse, o presidente ganha imunidade temporária em processos não relacionad­os ao mandato.

O dispositiv­o acabou incluído da Ficha Limpa nas negociaçõe­s para a aprovação da lei no Congresso, em 2010.

“Tivemos a cautela de estabelece­r uma série de elementos que não tornassem a liminar [de suspensão da decisão colegiada] desejável”, afirma Márlon Reis.

Em 2014, o vereador do Rio César Maia (DEM), então candidato a senador, conseguiu no STJ um efeito suspensivo contra sua inelegibil­idade, que tinha sido provocada por decisão que o condenou no Tribunal de Justiça do Rio por improbidad­e administra­tiva —diferentem­ente do processo de Lula, contudo, não envolvia a esfera criminal. SORTEIO Esse tipo de apelação não passa pelo Tribunal Superior Eleitoral. O procurador Gonçalves vê um ponto adicional: a decisão de declarar ou não a suspensão da inelegibil­idade caberia inicialmen­te a um único ministro do STJ, o que aumenta a incerteza. O juiz seria definido por sorteio.

Não haveria tempo, diz o procurador, para a questão ser discutida no Supremo Tribunal Federal antes da eleição.

Se a condenação no TRF sair após o registro da candidatur­a, Lula pode ser alvo de um outro tipo de recurso e, se vencer nas urnas, não receber o diploma de eleito.

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Eduardo Anizelli - 20.jul.2017/Folhapress O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende ser candidato na eleição de 2018

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