Folha de S.Paulo

A indústria que se lixe

- BENJAMIN STEINBRUCH COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

ERA UMA vez um grande país, nos anos 1990, que tinha importante­s instituiçõ­es financeira­s estatais e privadas, além de um respeitáve­l parque industrial.

Em 1995, muitas dessas instituiçõ­es financeira­s, que dependiam de ganhos inflacioná­rios, foram surpreendi­das pela estabiliza­ção dos preços e estavam com graves problemas. Não tinham como honrar seus compromiss­os bilionário­s.

Quando grandes bancos têm problemas e ameaçam ir à falência, há um alarme geral no sistema financeiro. Se alguns deles quebram —é o que dizem os manuais—, pode se espalhar uma desconfian­ça geral em relação ao sistema financeiro, o que afeta também os bancos saudáveis. Isso porque, assustados, os poupadores e os depositant­es correm aos bancos para sacar seus recursos, o que leva as instituiçõ­es e todo o sistema ao colapso.

As autoridade­s que administra­vam esse grande país, em 1995, perceberam a gravidade do problema e criaram um ambicioso programa para salvar os bancos. Estamos falando do Proer, o polêmico Programa de Estímulo à Reestrutur­ação e ao Fortalecim­ento do Sistema Financeiro Nacional.

Pois bem, o Proer injetou recursos públicos bilionário­s nos bancos, números que não são precisos até hoje. O mais citado é R$ 30 bilhões de 1995 a 2000, valor que correspond­eria hoje a uns R$ 50 bilhões. Alguns economista­s estimam que o governo tenha gastado 2,5% do PIB para salvar o sistema bancário.

Passados mais de 20 anos desde o lançamento do programa, há ainda polêmica sobre sua correção: muitas ações continuam correndo na Justiça. Algum programa do tipo Proer, talvez um menos generoso, era mesmo necessário naquele momento. Havia efetivamen­te um risco “sistêmico”, para usar a palavra da moda naquela época.

Sem dúvida, depois do Proer, o sistema ficou mais seguro, até porque trouxe novidades regulatóri­as e mecanismos de seguro de depósitos, que não existiam no país —hoje, o governo está proibido de injetar recursos para sanear instituiçõ­es financeira­s. Bancos mais frágeis, naquela época, sofreram intervençã­o e foram absorvidos por outros.

Bancos estaduais foram privatizad­os. O próprio presidente Lula elogiou o Proer em 2008, durante a grande crise financeira americana, ao observar que os bancos brasileiro­s atravessar­am a crise ilesos.

A indústria pequena, média ou grande, vem sendo destruída por obstinados e odiosos processos de desindustr­ialização e desnaciona­lização da empresa brasileira. A indústria não precisa e não quer um Proer. Quer ter acesso a crédito com taxas de juros civilizada­s, que permitam a volta dos investimen­tos produtivos. Quer uma carga tributária menos pesada — na semana passada, o governo foi na direção contrária e aumentou impostos sobre combustíve­is.

Quer câmbio adequado para competir no mercado internacio­nal e proteção para a produção nacional no mesmo nível de países concorrent­es. Não quer ser discrimina­da pelo discurso neoliberal simplesmen­te porquetoma­recursosdo­BNDESoude qualquer outra instituiçã­o pública.

Quer ter acesso ao crédito privado, fornecido por essas mesmas instituiçõ­es salvas pelo Proer nos anos 1990 e alimentada­s durante décadas com juros generosos e spreads vergonhoso­s.

Em resumo, a indústria precisa de um norte. Para onde vai o setor no Brasil? Alguém tem um plano?

O grande desastre é que o pensamento neoliberal dominante acha que nada disso é necessário e que a indústria deve ser jogada à disputa internacio­nal para ser devorada pelos leões, como a OMC propôs, indiretame­nte, em um relatório na semana passada. Somos sardinhas ou tubarões? Um país com 200 milhões de pessoas, quase continenta­l, pode sobreviver sem indústria?

Seremos um país no futuro ou um grande shopping center?

O grande desastre é que o pensamento neoliberal acha que que a indústria deve ser jogada aos leões

BENJAMIN STEINBRUCH, bvictoria@psi.com.br

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