Folha de S.Paulo

Processos contra policiais do Rio disparam

- LUCAS VETTORAZZO LUIZA FRANCO Policiais militares do batalhão de choque em operação no morro da Mangueira, zona norte do Rio, na última terça (18)

A Auditoria da Justiça Militar do Rio, órgão ligado ao Tribunal de Justiça do Estado, abriu 149 processos contra policiais e bombeiros militares por crimes como corrupção, extorsão e roubo neste ano. O volume, alcançado em abril, já é igual ao registrado ao longo de todo o ano passado.

Em casos como corrupção passiva, extorsão e roubo, os valores apurados nos primeiros quatros meses de 2017 já superam os de 2016 (veja quadro acima).

Segundo levantamen­to do TJ-RJ, os processos abertos são relativos à prática da seis tipos de crimes: corrupção ativa, corrupção passiva, extorsão, extorsão mediante sequestro, roubo e roubo qualificad­o.

A grave crise fiscal que o Rio enfrenta tem gerado também o caos na segurança pública do Estado. O governo luta para pagar salários enquanto os índices de violência atingem patamares de quase uma década atrás. Até domingo (23), 91 PMs já tinham morrido no Estado.

Policiais estão sem receber o 13º salário de 2016 e sem horas extras por trabalho fora do regime de serviço. Há falta de equipament­os, como coletes, armas e munição, além de ser comum faltar gasolina para os veículos.

Criminosos aproveitam para expandir território­s, o roubo de cargas é frequente e surgem cada vez mais casos de corrupção policial.

No final de junho, 66 policiais de um batalhão em São Gonçalo, região metropolit­ana, foram presos sob suspeita de integrar quadrilha de venda de armas e prestação de serviço de segurança para traficante­s. A investigaç­ão mostrou que PMs chegaram a “assaltar” uma boca de fumo e assumir a venda de drogas.

Parentes de militares ouvidos pela reportagem relatam que têm surgido casos de corrupção entre policiais até então honestos em razão da piora das condições de trabalho.

Sob condição de anonimato, dizem que em algumas UPPs da zona norte, policiais estão tendo que negociar com o tráfico para garantir a própria vida, por estarem em desvantage­m. Aceitam propina porque, sem coletes, armamentos e carros, não faria sentido “trocar tiro com bandido”, disse a mulher de um PM.

Segundo especialis­tas ouvidos pela Folha, no entanto, a precária situação da segurança pública não é, por si só, motivo para o aumento de processos por corrupção.

Segundo o ex-capitão do Bope e consultor em segurança Paulo Storani, a má condição de trabalho policial é uma realidade há décadas no país.

PAULO ROBERTO CUNHA

promotor O aumento recente ocorreria em razão da maior apuração dos casos, tese encampada também pelos ex-comandante­s gerais da PM Ubiratan Ângelo e Mário Sergio Duarte.

Na visão do sociólogo Ignacio Cano, do Laboratóri­o de Análise da Violência da Uerj (Universida­de do Estado do Rio), a alta, nessa intensidad­e, não poderia ser explicada por uma mudança súbita na realidade policial, mas pelo incremento dos mecanismos de controle.

Ele, porém, acredita que a crise seja um dos ingredient­es que levam ao momento que o Rio se encontra. “Acredito que tenha algum impacto na corrupção, mas não tão súbito nem tão intenso”, disse.

Assim como Cano, o promotor da Auditoria Militar junto ao Tribunal de Justiça, Paulo Roberto Cunha, responsáve­l por denunciar PMs e bombeiros à Justiça estadual, diz que uma reunião de fatores leva ao aumento. Entre eles, justamente o enfraqueci­mento dos mecanismos de controle.

Ele cita que em 2015, por exemplo, a Policia Militar reduziu a quantidade de homens na Corregedor­ia. No ano seguinte, o número de inquéritos abertos contra militares, que girava em torno de 3.000 em 2013, foi para 4.000.

“Não dá para dizer que os casos aumentaram somente em função da crise, embora ela tenha sua parcela de responsabi­lidade nisso tudo. O cenário vai além das questões de condições de trabalho e aumento da violência em geral.”

“para dizer que os casos aumentaram somente em função da crise. O cenário vai além das questões de condições de trabalho e aumento da violência em geral

 ?? Jotta de Mattos - 18.jul.2017/Photo Press/Agência O Globo ?? Parentes de policiais ouvidos atribuem alta à crise; já especialis­tas contam mais fatores, como maior controle
Jotta de Mattos - 18.jul.2017/Photo Press/Agência O Globo Parentes de policiais ouvidos atribuem alta à crise; já especialis­tas contam mais fatores, como maior controle

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