Folha de S.Paulo

O costume de misturar português e inglês é resquício dos 15 anos em que Billy vi-

- MARIANA ZYLBERKAN

DE SÃO PAULO

Na fila para conseguir ser internado numa clínica psiquiátri­ca, Billy, 30, pedia ajuda a enfermeiro­s do programa anticrack da prefeitura de São Paulo. “Vai demorar muito? I am almost giving away (estou quase desistindo, na tradução do inglês)”.

As palavras em língua estrangeir­a causavam uma espécie de ponto de interrogaç­ão na feição das atendentes. O rapaz forte e que usava dois idiomas para se comunicar não tinha o perfil dos viciados que os procuram ali.

Mesmo assim, eles o medicaram com um ansiolític­o, remédio usado para diminuir os sintomas de abstinênci­a.

Billy tomou a pílula e voltou a se encolher debaixo de um cobertor surrado.

Billy é um nome fictício. Ele só topou contar sua história à Folha sob duas condições: não ter seu verdadeiro nome nem fotos atuais de seu rosto divulgados. Ele, porém, autorizou uso de imagens de quando estava longe da droga. As fotos mostram o rapaz em duas situações de um passado recente: tocando clássicos da música erudita com violoncelo e no tatame onde venceu campeonato­s de jiu-jítsu.

Uma cerca separa a tenda de atendiment­o do fluxo de usuários de drogas na alameda Cleveland, novo endereço da cracolândi­a, onde o rapaz vive há cerca de oito meses por causa do vício em crack.

Cadeiras de plástico dividem espaço com pessoas deitadas debaixo de cobertores que usam a tenda como abrigo. Billy havia passado a tarde entre eles à espera de sua para ser internado.

O lugar onde ele buscava ajuda é um Caps (Centro de Atenção Psicossoci­al), inaugurado no fim de maio, quando uma ação policial desmantelo­u a feira de drogas ao ar livre na antiga cracolândi­a.

Na teoria, a iniciativa faz parte do projeto anticrack para incentivar as internaçõe­s voluntária­s. Na prática, porém, usuários chegam a esperar mais de 12 horas para serem encaminhad­os.

Um dos gargalos é o transporte para as clínicas, feito por ambulância­s. Apenas um usuário é transporta­do por vez, aumentando a espera. A administra­ção diz que segue “protocolo de atendiment­o aos quadros agudos relacionad­os a uso de drogas.” BACH E TATAME

BILLY

frequentad­or da cracolândi­a veu em Nova Jersey, nos EUA, onde foi morar aos 16 anos.

Aceito na escola de música Manhattan School of Music, onde estudou clássicos do violoncelo, ele trocou as horas de ensaio com o instrument­o por treinos de jiu-jítsu, após convite de um amigo. “Me deparei com pessoas mais talentosas nas aulas de música e isso me fez voltar para as drogas.”

Após anos de ensaios, o plano de fazer mestrado sobre o instrument­o ficou para trás. “A compulsão com a música foi direcionad­a para a luta”, diz ele, que tocava 16 horas por dia na adolescênc­ia.

Billy diz ter visto no entorpecen­te a maneira de fugir do trauma de bullying que sofria na escola. Fumou crack pela primeira vez aos 15. “It was my first fall (foi minha primeira queda).” Já a prática no violoncelo começou aos dez anos, em Aparecida (interior de SP), sua cidade natal.

Hoje 30 quilos mais magro do que na última vez em que competiu, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, há dois anos, Billy ainda ostenta os calos nos dedos causados pevez

Me deparei com pessoas mais talentosas nas aulas de música. Isso me fez voltar para as drogas.

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Divulgação/Facebook Billy exibe medalha após vencer campeonato em Dubai

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