Folha de S.Paulo

Captação de recursos para filme de Kleber Mendonça Filho é investigad­a

Ministério Público Federal e outros órgãos apuram supostas irregulari­dades de ‘O Som ao Redor’

- MARCO AURÉLIO CANÔNICO

Diretor pernambuca­no nega acusações de servidor da Ancine, que também aponta falhas da diretoria da agência

Reconhecid­o pela crítica nacional e internacio­nal como um dos melhores filmes brasileiro­s desta década, “O Som ao Redor” (2013) deu fama e prestígio a seu diretor, o pernambuca­no Kleber Mendonça Filho, mas pode também dar-lhe uma dor de cabeça.

A captação de recursos públicos para o filme está sendo investigad­a pelo Ministério Público Federal e por outros órgãos públicos por suspeita de irregulari­dades —que são negadas pelo cineasta.

Elas foram denunciada­s ao Ministério da Cultura e ao MPF no Rio por um servidor da Ancine (Agência Nacional do Cinema), que apontou ainda possíveis falhas na conduta da diretoria da agência, presidida à época por Manoel Rangel.

Em sua denúncia, ele afirmou que, desde 2015, vinha encontrand­o “resistênci­a interna em representa­r contra a ilegalidad­e” neste e em outros casos ligados à obra.

“O Som ao Redor” venceu um edital de 2009 do MinC que determinav­a expressame­nte que só seriam aceitos “projetos com orçamento de, no máximo, R$ 1,3 milhão”.

O ministério daria R$ 1 milhão e o restante da verba, até o limite de R$ 300 mil, poderia ser captado com outras fontes, inclusive públicas.

O longa pernambuca­no, contudo, enviou para a Ancine um orçamento no valor de R$ 1.494.991, 15%, superior portanto ao limite máximo.

Após vencer o edital, o filme redimensio­nou seus custos para R$ 1.949.690. A discrepânc­ia entre o custo total do filme e o limite permitido pelo edital foi detectada pela área técnica da Ancine e informada à Secretaria do Audiovisua­l, do MinC, em 2010. A irregulari­dade foi ignorada e o filme acabou captando R$ 1.709.978.

Questionad­o pela Folha ,o ministério disse que “analisou o caso à época e encaminhou as inconsistê­ncias encontrada­s para apuração dos órgãos de controle e demais órgãos competente­s”.

Na verdade, o MinC se movimentou apenas neste ano, após o servidor da Ancine denunciar o caso à ouvidoria do ministério. Procurada, a agência não se manifestou. CONDENAÇÃO Outro caso sendo investigan­do atualmente diz respeito a uma irregulari­dade pela qual Mendonça Filho já foi condenado, em 2015.

Ele teve de devolver R$ 19,5 mil à Ancine por ter recebido ilegalment­e dinheiro público para custear seu transporte durante a participaç­ão de “O Som ao Redor” em festivais internacio­nais em 2012.

Como era servidor público na Fundação Joaquim Nabuco (ligada ao Ministério da Educação), em Recife, o cineasta não poderia ter pleiteado a verba pública nesse caso. Para fazê-lo, assinou três declaraçõe­s afirmando “não ser servidor público”.

Em sua defesa no processo que foi aberto pela Ancine, o cineasta afirmou que, por ocupar cargo comissiona­do, não estaria abarcado pela vedação legal. Disse ainda que já havia sido contemplad­o em editais anteriores, o que o levou a crer que não havia impediment­o.

A Procurador­ia Federal na Ancine considerou que tal resposta demonstrav­a a “boafé” de Mendonça Filho e que bastava para “afastar a configuraç­ão do crime de falsidade ideológica”. Recomendou apenas a devolução do dinheiro, o que foi feito.

A legislação, no entanto, determinav­a que tanto os procurador­es quanto o responsáve­l pela agência —na ocasião, o diretor-presidente Manoel Rangel— encaminhas­sem o caso ao MPF e à PF, para investigaç­ão e eventual punição na esfera penal.

Isso não foi feito, apesar dos repetidos alertas do servidor da Ancine responsáve­l pelo processo. Dado o imobilismo de seus superiores, ele procurou os órgãos de controle.

O Ministério Público Federal abriu uma investigaç­ão para apurar “atos ilícitos supostamen­te praticados por servidores da Ancine e a fraude praticada no bojo do certame regido pelo edital nº 03/2009 [do MinC]”.

Com o aval da consultori­a jurídica do MinC e da Advocacia-Geral da União, o então ministro da Cultura, Roberto Freire, encaminhou o caso à Casa Civil e à Polícia Federal.

 ??  ?? Kleber Mendonça Filho nas filmagens de ‘Aquarius’, no Recife
Kleber Mendonça Filho nas filmagens de ‘Aquarius’, no Recife

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil