Folha de S.Paulo

As duas crises políticas

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A última pesquisa Ibope mostra um governo Temer no fundo do poço. Ele tem a aprovação de apenas 5% dos brasileiro­s e a maioria acha que seu governo é pior do que o de Dilma Rousseff. Um mês antes, pesquisa do Datafolha tinha mostrado que 83% dos brasileiro­s querem eleições diretas. Apesar disso, a não ser que haja uma reviravolt­a surpreende­nte, Temer deve sobreviver à votação da próxima quarta e permanecer no cargo. E, se cair, depois de uma nova denúncia, Rodrigo Maia deve assumir até 2018.

Nossa crise política não é apenas a de um sistema corrompido pelo conluio entre políticos e empresário­s. É também uma crise da sociedade civil, cujas organizaçõ­es não conseguem independên­cia desse sistema.

Embora não haja saída fácil para a crise atual, a alternativ­a democrátic­a passa pela convocação de eleições e pelo debate de um programa, com legitimida­de conferida pelo voto e controlado por uma cidadania ativa.

Mas essa saída foi tão preterida pelos atores políticos que os analistas já não consideram que esteja no horizonte.

Nosso problema não é apenas que governo e oposição não queiram a queda de Temer, ainda que por motivos diferentes —uns porque querem continuar no poder, outros porque querem vê-lo desgastado. É preciso reconhecer também que as mais importante­s organizaçõ­es da sociedade estão jogando o jogo dos poderosos. Elas têm uma retórica dura contra Temer, mas, na prática, não fazem nada para substituir seu governo ou seu programa.

Os sindicatos e movimentos que fizeram greves e protestos contra as reformas não planejam protestar contra Temer no momento em que está mais frágil. Os movimentos contra a corrupção também não. O MBL está ocupado demais tentando aumentar a lotação do sistema prisional, e o Vem Pra Rua, pressionad­o pela sua base, convocou um ato apenas para o final de agosto.

Isolados, artistas tentam contornar a polarizaçã­o e pressionar os parlamenta­res por meio da plataforma 342agora. org.br, que permite escrever para os deputados apoiarem a investigaç­ão. Da mesma maneira, a ONG Avaaz tenta reunir assinatura­s para uma petição, além de veicular publicidad­e para pressionar os parlamenta­res indecisos.

O profundo desacordo entre o que querem os cidadãos e o que fazem os políticos é nossa primeira crise política. O desacordo da cidadania com as organizaçõ­es da sociedade civil é a segunda. Tão importante quanto uma reforma política que introduza mudanças como prévias, candidatur­as independen­tes e instrument­os de recall é uma mudança na nossa cultura política que permita que as organizaçõ­es da sociedade não se submetam mais aos interesses dos partidos.

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