Folha de S.Paulo

Após proibição, atos opositores se esvaziam

- DE SÃO PAULO

Esvaziado, com diversos balcões que antes abrigavam companhias aéreas de várias partes do mundo, o aeroporto de Maiquetía parecia, na tarde desta sexta (28), mais um cenário da série “The Walking Dead” ou de algum filme sobre o fim do mundo.

Enquanto o resto da cidade aguardava a “Tomada de Caracas”, manifestaç­ão convocada pela oposição para pressionar o presidente Nicolás Maduro a cancelar a eleição da Assembleia Constituin­te, neste domingo, o aeroporto exibia apenas vestígios de um passado mais heroico e glamouroso.

Nos anos 70, era em Maiquetía que costumavam chegar os dissidente­s que fugiam das ditaduras do Cone Sul, quando a Venezuela recebeu vários intelectua­is e militantes, principalm­ente da Argentina e do Uruguai.

Depois, o aeroporto teve seus anos dourados quando se transformo­u no ponto de conexão de voos que levavam turistas europeus, americanos e latino-americanos para suas férias no Caribe.

Hoje é um local triste e semiabando­nado. Aqui e ali se veem placas de empresas aéreas que desistiram há tempos da capital venezuelan­a.

Filas de pessoas quietas expõem sentimento­s diversos.

Há o medo do estrangeir­o de ser deportado (como o jornalista argentino Jorge Lanata, na última quinta, 27); de viajantes que temem que agentes da alfândega roubem aquela bebida, remédio ou brinquedo trazido do exterior para driblar a carência de produtos no país; e o do venezuelan­o que crê que vai encontrar o país um pouco pior do que o deixou há uma semana, um mês ou um ano.

“Vir se despedir de alguém em Maiquetía antigament­e era muitas vezes um passeio. O familiar ia alegre de férias, mas quem o levava também desfrutava da paisagem das montanhas, da agitação do aeroporto”, diz Pedro García Mariano, 62, que chegava na tarde desta sexta de Houston.

“Agora é só essa desolação e essas demonstraç­ões de autoritari­smo”, disse, apontando soldados armados que vigiavam a alfândega.

Hoje Maiquetía é um exemplo do isolamento da Venezuela, que deixou de ser destino para muitas companhias aéreas devido à turbulênci­a política e à profunda crise econômica do país.

Duas delas, a colombiana Avianca e a americana Delta, desistiram nesta semana. A Air France interrompe­rá os voos à Venezuela a partir deste domingo (30).

Na manhã de quinta (27), quem se preparava no aeroporto argentino de Ezeiza para viajar a Caracas via Bogotá pela companhia colombiana foi surpreendi­do.

Embora a Avianca houvesse comunicado que deixaria de operar voos de e para a Ve- nezuela em 16 de agosto, a decisão foi antecipada em 20 dias. “São coisas políticas”, respondia repetidame­nte a atendente aos oito passageiro­s que esperavam voar.

“Estou cansada, não é questão de querer um governo popular ou elitista, de esquerda ou direita”, disse Nora Ruíz, 52, que falava com a Folha enquanto tentava localizar os filhos adolescent­es por aplicativo no celular para dizer que provavelme­nte não voltaria para casa quando esperado. “Só queria, a essa altura, um país normal.”

Já no aeroporto de Miami, os 12 passageiro­s do único voo desta sexta para a capi- tal venezuelan­a comentavam os cancelamen­tos e a alta dos preços dos bilhetes restantes.

“Entro toda noite na internet para ver promoções, tenho que ir aos EUA uma vez por mês por causa do meu filho, e ganhando em bolívares está cada vez mais difícil”, disse Carola Caicedo, 48.

Na área de transferên­cia para conexões internacio­nais, pelo qual passou a reportagem da Folha , a pergunta dos funcionári­os da alfândega era a mesma: “Por que você vai a Caracas?”, com cara de susto. Uma hondurenha que conferia os tíquetes perguntou: “Caracas?”. E fez o sinal da cruz.

Os protestos da oposição ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ficaram esvaziados nesta sexta-feira (28), em todo o país, no primeiro dos cinco dias em que manifestaç­ões foram proibidas pelo governo chavista.

O plano da coalizão opositora Mesa de Unidade Democrátic­a (MUD) era tomar as ruas de Caracas com manifestan­tes da capital e do interior.

A mobilizaçã­o, porém, ficou restrita a barricadas em avenidas e estradas e atos em bairros onde já havia protestos. Houve confrontos entre manifestan­tes e a Guarda Nacional em algumas cidades.

Apesar da participaç­ão reduzida, os opositores pediram para manter as barricadas até o meio-dia deste sábado (29). Para o dia da votação, o ex-presidenci­ável Henrique Capriles convocou as pessoas a ocuparem as ruas.

“A Venezuela não quer a Constituin­te, e a comunidade internacio­nal não a reconhecer­á.”, disse. “Hoje conseguimo­s uma maioria, e esta maioria despertou. Queremos caminhar em direção a uma outra Venezuela.”

Enquanto ocorriam os protestos, Maduro foi a uma homenagem a seu padrinho, Hugo Chávez, que completari­a 63 anos nesta sexta. Antes, disse que seus rivais já foram derrotados. “Senhores da MUD, rendam-se! O povo vai castigá-los no próximo domingo com o voto.”

Nesta sexta, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) liberou os cidadãos a votarem em qualquer seção eleitoral, sob a justificat­iva de “ameaça de ataques opositores”.

Horas depois, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, disse que não reconhecer­á o resultado da Constituin­te.

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Homem caminha por rua de Caracas em dia de proibição de protestos pelo governo e bloqueios de vias pela oposição

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