Folha de S.Paulo

DANÇANDO NO ESCURO

Em ‘Everything Now’, lançado nesta sexta (28), Arcade Fire questiona cultura imediatist­a de consumo desenfread­o

- SÁBADO, 29 DE JULHO DE 2017 AMANDA NOGUEIRA

“A verdade é que o #DecadenteA­rcadeFire não está mais nos dando aquela coisa de que nós gostávamos naquela época em que éramos todos um pouco mais jovens e mais esperanços­os. Triste!”

O trecho poderia ter sido tirado de uma das “críticas prematuras” do site Stereogum, que em junho publicou o artigo “Lembram-se de quando Arcade Fire era bom?”.

No entanto, trata-se de uma paródia escrita e publicada pelo próprio sexteto canadense no portal fictício Stereoyum, “membro da Billlboard Music, uma divisão da Billlboard-Hollywood Reported Media Group” [referência­s claras às publicaçõe­s “Billboard” e “The Hollywood Reporter”].

A resenha é apenas um exemplo dos produtos —como uma linha de camisetas que tira sarro de uma fracassada tentativa empreended­ora das irmãs Kardashian— e notícias falsas que a banda criou para sintetizar a mensagem de seu quinto álbum de estúdio, “Everything Now”, lançado nesta sexta-feira (28).

As 13 faixas —ou 11, se desconside­rarmos as vinhetas iniciais e finais— compõem uma crítica à cultura imediatist­a de consumo exacerbado.

“As pessoas estão impaciente­s”, diz o baterista Jeremy Gara à Folha. “Elas só querem algo rápido e simples e seguir para a próxima coisa do momento. Nós só estamos fazendo perguntas e comentando o que vemos”, resume. DUPLA FACE “Não acham irônico que vocês tenham o que parece ser uma mensagem anticorpor­ativista em sua campanha de divulgação para o álbum e ainda assim a exibição [do show de lançamento, na quinta (27)] só esteja disponível para usuários da Apple Music?”, questiona uma pessoa no perfil da banda no Facebook.

“Quando éramos jovens, criticava-se as bandas por se venderem à publicidad­e, como fazer um comercial da Apple, mas essas críticas estão há tanto tempo mortas; se você quer que a sua banda favorita sobreviva, ela tem que arrumar dinheiro”, diz Gara.

Para ele, o público quer que continuem produzindo, mas não quer comprar os álbuns. “‘Vou ouvir pelo Spotify umas seis vezes, o que vai dar a eles uns seis centavos’”, zomba.

Gara esclarece que não é contra o streaming, mas gostaria que o sistema fosse “mais justo”. Não é possível, afirma ele, ser um músico profission­al nesse cenário.

“Você precisa atingir esses números doidos, que 99% dos músicos não vão atingir, para nem sequer ter algum dinheiro de volta de forma real. Eu não estou falando de hobby, alguns trocados, eu estou falando como um músico trabalhado­r que precisa pagar seu aluguel e alimentar seus filhos. Eu realmente não acredito que isso seja sustentáve­l.”

Pensando nisso ou não, o Arcade Fire garantiu neste novo álbum faixas com potencial para puxar coros em seus shows, de onde vem a maior parte da renda da banda há 13 anos, desde que ela lançou “Funeral” (2004).

Repleto de influência­s de artistas como Abba e David Bowie, o álbum passeia por hinos dançantes com letras sombrias, caso mais evidente em “Creature Comfort”, gerando um dissonânci­a entre o que se toca e o que se fala.

“Não foi necessaria­mente intenciona­l, mas estávamos cientes disso”, diz Gara. “Adoro quando você ouve o começo de uma canção que parece ir para uma direção e é chocado de alguma maneira, isso deixa as coisas interessan­tes.”

A banda virá à América do Sul em dezembro, mas ainda não anunciou shows no Brasil. “Vamos com certeza tocar aí em breve”, diz Gara. “Ninguém precisa se preocupar.”

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A banda canadense Arcade Fire

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