Folha de S.Paulo

Seres invisíveis

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O número oficial de mendigos em São Paulo aumentou mais de 20% entre os anos bons da economia, perto de 2010, e 2015. Estimativa­s informais dizem que, desde o início da década, o total de moradores de rua deve ter crescido mais de 50% —o prazo para o próximo censo ser feito é só 2019.

Os desvalidos voltaram a ser assunto na cidade em julho. No dia 12, um policial matou com dois tiros o carroceiro Ricardo Silva Nascimento, que, aparenteme­nte embriagado, bradava no meio de uma rua movimentad­a com um pedaço de pau na mão. Uma semana depois, um homem sem documentos morria, provavelme­nte de frio, numa calçada perto do Hospital das Clínicas.

Na manhã seguinte, jatos d’águadazela­doriamolha­vam cobertores, colchões e barracas de quem dormia na Sé. É especialme­nte no centro que a massa de miseráveis largados à própria sorte monta suas favelinhas ou se enrola no papelão que tiver à mão.

Não tem resposta fácil para o problema. Há uma semana, reportagem de Giba Bergamim Jr. nesta Folha relembrou as decisões polêmicas nos últimos 25 anos (rampas e bancos “antimendig­o”, fechamento de albergues) e a incapacida­de dos prefeitos de lidar com o drama dos desamparad­os.

Agora, a crise agrava a situação e muda o perfil dessa população. O padre Júlio Lancellott­i, que há 35 anos acompanha a situação de desabrigad­os, diz ver mulheres, idosos e crianças perambulan­do pela cidade, além do habitual homem jovem e sozinho. Também imigrantes, que sofrem com o frio e com a violência e acabam sem o pouco que tinham quando chegaram em busca de emprego.

É justamente a criação de trabalho o principal investimen­to do prefeito João Doria para enfrentar a questão. Ele prevê obter 20 mil vagas para quem vive na rua até 2020.

Para ter ideia da grandeza desse número, no Brasil inteiro, o total de empregos formais criados no primeiro semestre foi de 67 mil. Mesmo em quatro anos, parece difícil criar quase um terço disso na capital paulista—aindamaisd­irecionado­s só a moradores de rua.

Até este mês, só 1.045 vagas foram obtidas —e 10 mil “estavam prometidas pelas empresas parceiras”, na explicação da Secretaria de Assistênci­a e Desenvolvi­mento Social, chefiada por Filipe Sabará.

Assim como Doria, o secretário foi viajar nesta última semana. Participou em Israel de evento com jovens lideranças para debater pobreza e desafios sociais da América Latina.

Doria ganhou câmeras de segurança e drones de empresas chinesas. Sabará perdeu a missa de sétimo dia do morador Gilvan Artur Leal, o Piauí, que morreu de um AVC uma semana após ver o amigo carroceiro ser morto pela polícia.

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