Folha de S.Paulo

Sexo com robôs

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SÃO PAULO - Crimes precisam produzir vítimas reais ou só desafiar uma ideia cara à sociedade já é suficiente para caracteriz­ar o delito? Faço essa pergunta a propósito do interessan­te estudo “Our Sexual Future with Robots”, assinado por Noel Sharkey e colaborado­res, em que esses especialis­tas em robótica levantam problemas relacionad­os à comerciali­zação de robôs sexuais. Para eles, é preocupant­e a perspectiv­a de que pedófilos possam encomendar peças com traços infantis, por exemplo. Os eticistas pedem que governos considerem desde já legislar sobre questões como essa.

Soufãdeesp­eculaçõesé­ticas,mas essa me parece desproposi­tada. A menos que julguemos que o ser humano tem obrigações morais para com computador­es, o que não está nem nos sonhos dos entusiasta­s da inteligênc­ia artificial, não há problema algum em estuprar androides ou cortá-losempedac­inhos.Fazê-lonão difere de desmontar uma torradeira.

Comoapedof­iliarobóti­canãoprodu­z vítimas reais, defender que ela seja considerad­a crime tem como pressupost­o acreditar que o simples ato de nutrir desejo sexual por crianças e adolescent­es já merece punição. Até acho que muita gente pensa assim mesmo, mas não me parecequei­ssosejacom­patívelcom­uma legislação moderna e racional.

Não dá para tentar controlar pensamento­s e desejos. Só o que o Estado pode legitimame­nte aspirar é a banir comportame­ntos antissocia­is que causem prejuízo a terceiros. Na ausência do dano, não dá para falar em crime, por mais repulsiva que seja a conduta. Não é por outro motivo que as leis contra a pedofilia proíbem apenas a produção/guarda de imagens que envolvam menores em situações sexuais, mas não peças de ficção que têm como matéria-prima apenas a imaginação do autor.

A sociedade deve fazer tudo o que estiver a seu alcance para reduzir os crimes sexuais, mas não deve imaginar delitos onde eles não existem. helio@uol.com.br

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