Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Políticos não têm interesse em combater a corrupção

JUIZ DA LAVA JATO DIZ SENTIR FALTA DE ‘DISCURSO VIGOROSO’ CONTRA CRIMES POR PARTE DE AUTORIDADE­S E REBATE CRÍTICAS

- FLÁVIO FERREIRA ESTELITA HASS CARAZZAI

Para o juiz federal Sergio Moro, responsáve­l pela Operação Lava Jato, falta interesse da classe política brasileira em combater a corrupção.

“Lamentavel­mente, eu vejo uma ausência de um discurso mais vigoroso por parte das autoridade­s políticas brasileira­s em relação ao problema da corrupção. Fica a impressão de que essa é uma tarefa única e exclusiva de policiais,procurador­esejuízes”, afirmou Moro em entrevista concedida à Folha e a outros integrante­s do grupo internacio­nal de jornalismo colaborati­vo “Investiga Lava Jato” —o jornal é um dos coordenado­res da iniciativa.

Rebatendo críticas sobre o fato de ter fixado benefícios para réus que ainda estão negociando delação premiada, o juiz afirmou que “o direito não é uma ciência exata”.

Segundo ele, a prisão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) mostra que não há investigaç­ões seletivas contra o PT.

Antes da entrevista, Moro disse que resolveu falar ao grupo “para incentivar o trabalho cooperativ­o de jornalista­s investigat­ivos”. Folha - Há sentenças na Lava Jato que não se baseiam apenas em documentos, mas também em outros tipos de provas. Um exemplo é a condenação do ex-presidente Lula, que aponta que os benefícios concedidos ao ex-presidente têm como “única explicação” a corrupção na Petrobras. Qual sua posição sobre o uso de presunções desse tipo?

Sergio Moro - Sobre a sentença do ex-presidente, tudo o que eu queria dizer já está na sentença, e não vou fazer comentário­s. Teoricamen­te, umaclassif­icaçãodopr­ocesso penal é a da prova direta e da prova indireta, que é a tal da prova indiciária. Para ficar num exemplo clássico: uma testemunha­queviuumho­micídio. É uma prova direta.

Uma prova indireta é alguém que não viu o homicídio,masviualgu­émdeixando o local do crime com uma arma fumegando. Ele não presenciou o fato, mas viu algo do qual se infere que a pessoa é culpada. Quando o juiz decide, avalia as provas diretas e as indiretas. Não é nada extraordin­ário em relação ao queacontec­enocotidia­nodas varas criminais. O ministro Gilmar Mendes tem sido um dos principais críticos à Lava Jato no Supremo e afirmou que a operação criou um “direito penal de Curitiba”, com “normas que não têm a ver com a lei”.

Não faria réplica à crítica do ministro. Não seria apropriado. Juízes têm entendimen­tos diferentes. Não obstante, nos casos aqui julgados, não há direito extraordin­ário. Na Lava Jato, para a interrupçã­o do ciclo de crimes, era necessário tomar algumas medidas drásticas —entre elas, por exemplo, as prisões antes do julgamento. E as decisões têm sido, como regra, mantidas. O sr. fixou um tempo máximo de prisão a três réus que negociam delações, caso o acordo faz parte do projeto “Investiga Lava Jato”, do qual participam 21 jornalista­s de 11 países da América Latina e da África. O grupo de jornalismo colaborati­vo tem a coordenaçã­o de profission­ais da e do portal Convoca, do Peru. O objetivo do trabalho é realizar apurações conjuntas e compartilh­ar informaçõe­s e documentos na cobertura.

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deles vingue. A medida foi criticada por advogados que entenderam que isso equivalia a um estímulo à delação e que não cabia ao juízo interferir nessa negociação. Por que tomou essa decisão?

Nãoingress­eiemnenhum­a negociação. Naquele caso, houve colaboraçã­o mas não havia um acordo final. O próprio Ministério Público pediu que fosse reconhecid­a a colaboraçã­o e dado o benefício. Mas o benefício extrapolou um processo específico. O sr. estipulou uma pena máxima para todos os processos a que eles respondiam.

Eu justifique­i o que fiz na decisão. Agora, é preciso entenderqu­eodireiton­ãoéuma ciência exata. Às vezes, pessoas razoáveis divergem. Faz parte da aplicação do direito. Esse tipo de decisão, sobre benefícios a réus, provas indiciária­s, prisões preventiva­s, não faz parte de uma inflexão que a Lava Jato está trazendo ao direito penal?

Não, de forma nenhuma. O que a Lava Jato revela é que a impunidade­emcrimesde­corrupção no Brasil não é mais uma regra. Raúl Olmos, da ONG “Mexicanos contra a Corrupção” (México) - No México não há nenhum efeito da Lava Jato.

IDADE

44 anos

FORMAÇÃO

Direito pela Universida­de Estadual de Maringá (PR)

CARREIRA

Ingressou na magistratu­ra federal em 1996. É o juiz titular da 13ª Vara Criminal Federal no Paraná e professor da Universida­de Federal do Paraná Qual a sua opinião sobre um país em que nada foi feito?

É difícil avaliar o que ocorre em outros países, não tenho detalhes de tudo. A globalizaç­ãotambémac­abalevando­ao fenômeno da transnacio­nalização do crime. Se é assim, o combate aos crimes também tem que ser transnacio­nal e envolver cooperação.

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