ENTREVISTA Políticos não têm interesse em combater a corrupção
JUIZ DA LAVA JATO DIZ SENTIR FALTA DE ‘DISCURSO VIGOROSO’ CONTRA CRIMES POR PARTE DE AUTORIDADES E REBATE CRÍTICAS
Para o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, falta interesse da classe política brasileira em combater a corrupção.
“Lamentavelmente, eu vejo uma ausência de um discurso mais vigoroso por parte das autoridades políticas brasileiras em relação ao problema da corrupção. Fica a impressão de que essa é uma tarefa única e exclusiva de policiais,procuradoresejuízes”, afirmou Moro em entrevista concedida à Folha e a outros integrantes do grupo internacional de jornalismo colaborativo “Investiga Lava Jato” —o jornal é um dos coordenadores da iniciativa.
Rebatendo críticas sobre o fato de ter fixado benefícios para réus que ainda estão negociando delação premiada, o juiz afirmou que “o direito não é uma ciência exata”.
Segundo ele, a prisão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) mostra que não há investigações seletivas contra o PT.
Antes da entrevista, Moro disse que resolveu falar ao grupo “para incentivar o trabalho cooperativo de jornalistas investigativos”. Folha - Há sentenças na Lava Jato que não se baseiam apenas em documentos, mas também em outros tipos de provas. Um exemplo é a condenação do ex-presidente Lula, que aponta que os benefícios concedidos ao ex-presidente têm como “única explicação” a corrupção na Petrobras. Qual sua posição sobre o uso de presunções desse tipo?
Sergio Moro - Sobre a sentença do ex-presidente, tudo o que eu queria dizer já está na sentença, e não vou fazer comentários. Teoricamente, umaclassificaçãodoprocesso penal é a da prova direta e da prova indireta, que é a tal da prova indiciária. Para ficar num exemplo clássico: uma testemunhaqueviuumhomicídio. É uma prova direta.
Uma prova indireta é alguém que não viu o homicídio,masviualguémdeixando o local do crime com uma arma fumegando. Ele não presenciou o fato, mas viu algo do qual se infere que a pessoa é culpada. Quando o juiz decide, avalia as provas diretas e as indiretas. Não é nada extraordinário em relação ao queacontecenocotidianodas varas criminais. O ministro Gilmar Mendes tem sido um dos principais críticos à Lava Jato no Supremo e afirmou que a operação criou um “direito penal de Curitiba”, com “normas que não têm a ver com a lei”.
Não faria réplica à crítica do ministro. Não seria apropriado. Juízes têm entendimentos diferentes. Não obstante, nos casos aqui julgados, não há direito extraordinário. Na Lava Jato, para a interrupção do ciclo de crimes, era necessário tomar algumas medidas drásticas —entre elas, por exemplo, as prisões antes do julgamento. E as decisões têm sido, como regra, mantidas. O sr. fixou um tempo máximo de prisão a três réus que negociam delações, caso o acordo faz parte do projeto “Investiga Lava Jato”, do qual participam 21 jornalistas de 11 países da América Latina e da África. O grupo de jornalismo colaborativo tem a coordenação de profissionais da e do portal Convoca, do Peru. O objetivo do trabalho é realizar apurações conjuntas e compartilhar informações e documentos na cobertura.
Folha
deles vingue. A medida foi criticada por advogados que entenderam que isso equivalia a um estímulo à delação e que não cabia ao juízo interferir nessa negociação. Por que tomou essa decisão?
Nãoingresseiemnenhuma negociação. Naquele caso, houve colaboração mas não havia um acordo final. O próprio Ministério Público pediu que fosse reconhecida a colaboração e dado o benefício. Mas o benefício extrapolou um processo específico. O sr. estipulou uma pena máxima para todos os processos a que eles respondiam.
Eu justifiquei o que fiz na decisão. Agora, é preciso entenderqueodireitonãoéuma ciência exata. Às vezes, pessoas razoáveis divergem. Faz parte da aplicação do direito. Esse tipo de decisão, sobre benefícios a réus, provas indiciárias, prisões preventivas, não faz parte de uma inflexão que a Lava Jato está trazendo ao direito penal?
Não, de forma nenhuma. O que a Lava Jato revela é que a impunidadeemcrimesdecorrupção no Brasil não é mais uma regra. Raúl Olmos, da ONG “Mexicanos contra a Corrupção” (México) - No México não há nenhum efeito da Lava Jato.
IDADE
44 anos
FORMAÇÃO
Direito pela Universidade Estadual de Maringá (PR)
CARREIRA
Ingressou na magistratura federal em 1996. É o juiz titular da 13ª Vara Criminal Federal no Paraná e professor da Universidade Federal do Paraná Qual a sua opinião sobre um país em que nada foi feito?
É difícil avaliar o que ocorre em outros países, não tenho detalhes de tudo. A globalizaçãotambémacabalevandoao fenômeno da transnacionalização do crime. Se é assim, o combate aos crimes também tem que ser transnacional e envolver cooperação.