Folha de S.Paulo

Em volta do rombo

- JANIO DE FREITAS

INICIADA ANTES das eleições de 2014, a disputa pela Presidênci­a em 2018 volta a ser predominan­te no processo político. Já bem notada, a contraried­ade mútua de Michel Temer e Henrique Meirelles não decorre da aparente divergênci­a de concepções econômicas entre o ministro da Fazenda e o grupo do Planalto. O jogo é apenas de política, enquanto o país se desconstró­i sob a propaganda de que “a recuperaçã­o começou”.

A divergênci­a exposta está no montante do rombo financeiro que o governo, fracassada­s as metas prometidas para 2016 e, depois, para 2017, deve admitir neste ano. Meirelles defende o teto, estabeleci­do como rígido e imutável, de R$ 139 bilhões. Temer e seu grupo querem elevá-lo. Só para a pretendida vitória na Câmara contra a licença para processá-lo, Temer empenhou nas últimas semanas mais de R$ 4 bilhões em pedidos de deputados: R$ 2 bilhões em junho e R$ 2,1 bilhões até meado deste mês, cuja soma equivale a quatro vezes o empenhado nos cinco meses anteriores.

Com outros gastos, veio a necessidad­e de aumento de impostos (dos combustíve­is) e o corte de mais R$ 5,9 bilhões em investimen­tos previstos até o fim do ano — além dos quase R$ 40 bilhões já cancelados. Se assim está sendo para sustar o primeiro processo proposto pela Procurador­ia-Geral da República contra Temer, não é difícil entender o que se deve esperar quando cheguem à Câmara as outras denúncias previstas em medida de Rodrigo Janot. O que leva a uma observação a propósito: trata-se do uso de bilhões do dinheiro público para beneficiar um político gravado em encontro clandestin­o para os acertos indecentes que pudemos ouvir e ler em transcriçã­o.

Mas não só por essa expectativ­a Temer e seu grupo batalham pela admissão de um rombo maior nas contas do governo. Faltam cinco meses para o fim de um ano em que os políticos governista­s só têm, até agora, notícias negativas para o eleitorado. E o ano que vem será de eleições. Alguma recuperaçã­o de imagem nos próximos cinco meses é ansiada pelo “centrão” próTemer. Seja evitando a aprovação de propostas impopulare­s do governo, seja com afrouxamen­to do arrocho aplicado pelo governo, a pretexto de uma reabilitaç­ão nacional que, todos sentem, não está nem à vista.

Antes de desligar-se do PSDB para entrar no governo Lula, e antes mesmo de entrar no PSDB, o Henrique Meirelles retornado de longa vida como banqueiro nos Estados Unidos planejou candidatar-se à Presidênci­a (posso fazer tal afirmação porque, na época, uma assessoria contratada por Meirelles me procurou para um encontro que não aconteceu). Aspiração dessa grandeza não morre jamais, José Serra que o diga. O êxito na recuperaçã­o do cresciment­o econômico é, porém, a única possibilid­ade hoje perceptíve­l para uma tentativa da ambição de Meirelles. Logo, para ele é indispensá­vel a preservaçã­o do que lhe parece a maneira de chegar a tal êxito, não importa o que, quem e quantos caiam pelo caminho.

O tabuleiro em que Henrique Meirelles e Michel Temer passaram a jogar é o da política. Um e outro tornam-se seus piores antagonist­as. Entre um e outro, a economia do país de 200 milhões de pessoas é um dispositiv­o de fazer política.

Bilhões são usados para beneficiar político gravado em encontro clandestin­o para acertos indecentes

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