Folha de S.Paulo

Uma ditadura bem ali na esquina

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Jaime Spitzcovsk­y; quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi

A VENEZUELA dá neste domingo (30) o passo final para a instalação de uma ditadura.

Foi “despacito”, para citar um sucesso mundial. Hugo Chávez foi comendo a democracia pelas bordas, pouco a pouco, mas preservou ao menos o centro do prato, na forma de eleições razoavelme­nte livres.

Sabia que podia ganhá-las porque a bonança petrolífer­a lhe assegurava recursos para programas sociais que fizeram com que os pobres, pela primeira vez na história venezuelan­a, sentissem a presença do Estado. Na década passada, que foi a década chavista, entrou nos cofres públicos a impression­ante soma de US$ 1 trilhão, o que equivale a quase 2/3 do PIB brasileiro atual.

É verdade que parte importante desse dinheiro foi desviada pela corrupção, mas a maior parte foi mesmo para programas sociais —o suficiente para que ainda hoje, em meio a uma devastador­a crise, 53% dos venezuelan­os tenham opinião favorável de Chávez, segundo o respeitado instituto Datanalisi­s.

Quando o maná do petróleo secou, foi ruindo toda a construção dita bolivarian­a, para o que contribuiu enormement­e a escolha por Chávez de um total incompeten­te para substituí-lo.

Nicolás Maduro só fez acentuar os defeitos do modelo econômico chavista e o estímulo à corrupção, a ponto de a revista “The Economist”, no número que está nas bancas, inventar o neologismo “thugocracy” Venezuela dá passo final para destruir suas instituiçõ­es, ante a impotência ou a incompetên­cia dos vizinhos (governo de gângsters) para definir o regime venezuelan­o.

É essa aberração que tenta se consolidar a partir deste domingo. Se conseguir, a América do Sul volta a ter uma ditadura depois que desaparece­u a safra anterior, nos anos 1980/90. Triste, ainda mais que a Venezuela foi dos poucos países da região a escapar das ditaduras que a infestaram.

Alguns energúmeno­s de esquerda ainda acham que seja algo aceitável por se tratar de um “governo popular e anti-imperialis­ta”. Rematada tolice. É uma ditadura igual às que dominaram a América Latina em outras épocas.

Maduro não é diferente dos Somoza da Nicarágua ou Alfredo Stroessner do Paraguai. Ou, para ficar na Venezuela, de Marcos Pérez Jiménez, que governou de 1952 a 1958. Todas foram combatidas pela esquerda da época —o que só prova que a esquerda atual está esclerosad­a.

O que torna mais triste a situação é que o mundo assiste impassível à derrocada venezuelan­a, como vê impassível uma derrocada ainda mais impression­ante como a síria.

O que podem os vizinhos, Brasil inclusive, fazer com a Venezuela? Um primeiro passo seria acentuar drasticame­nte a pressão diplomátic­a para que o regime aceite não instalar imediatame­nte a Constituin­te a ser eleita neste domingo. Se começar a funcionar, será a consolidaç­ão da ditadura e um salto no escuro, ante a previsível reação da oposição.

Se, no entanto, houver um intervalo entre a eleição e a instalação da Constituin­te, abre-se espaço para um diálogo governo/oposição, que parece ser o único caminho viável para começar a sair do caos.

Para isso, no entanto, é preciso grandeza de parte do regime —tudo o que ele jamais mostrou até agora. crossi@uol.com.br

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