Folha de S.Paulo

Frei filipino faz campanha contra Duterte

Guerra às drogas do presidente é alvo de protesto em forma de peregrinaç­ão no caminho de Santiago, na Espanha

- ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

Frei Jun saiu da França deixando no percurso imagens de vítimas de extermínio­s por esquadrões da morte

Sob um céu sem nuvens no norte da Espanha, o frade de 46 anos prende uma foto em um dos marcos do caminho de Santiago, rota de peregrinaç­ão que leva à cidade de mesmo nome na Galícia, a quase 800 km dali.

A imagem mostra uma mulher sustentand­o o corpo do marido, assassinad­o à queima-roupa nas Filipinas em julho do ano passado.

Frei Jun (nome de batismo Ciriaco Santiago 3º) partiu na última segunda-feira (24) de Saint Jean Pied-de-Port, na França, com o objetivo de atrair a atenção internacio­nal para sua campanha contra a guerra às drogas do presidente filipino, Rodrigo Duterte, da qual a foto é um testemunho.

Michael Siaron, o morto, era acusado de traficar metanfetam­ina e foi alvejado por um dos esquadrões da morte que já deixaram mais de 5.000 vítimas desde a posse de Duterte, há um ano.

Outros 3.000 morreram em operações oficiais, supostamen­te ao reagir à polícia —familiares, testemunha­s e entidades de direitos humanos negam e acusam o presidente de promover execuções extrajudic­iais em massa.

Frei Jun faz parte da ordem católica dos redentoris­tas, uma das mais ativas no país asiático contra a política antidrogas do presidente.

Em dezembro do ano passado, o frade passou a fazer hora extra no Departamen­to de Polícia de Manila.

Das 21h às 3h30, acompanhav­a os jornalista­s que documentam os assassinat­os em bairros pobres da cidade.

No Natal, organizou a exposição “Sob a Sombra da Morte”, com fotos gigantes de vítimas da guerra às drogas na igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mais famoso templo de um país em que mais de 80% são católicos.

Depois das Filipinas, as fotografia­s foram expostas na Bósnia e, agora, seguem pa- ra a França.

A peregrinaç­ão até Santiago faz parte desse esforço.

Ao longo do caminho, que deve durar mais de um mês, ele pretende deixar imagens das vítimas e textos de repúdio à guerra às drogas, além de documentar seu cotidiano nas redes sociais.

Em um dos posts da primeira semana, frei Jun relata que um casal de americanos prometeu ajuda na divulgação da campanha após achar uma nota contra as execuções extrajudic­iais deixada por ele em Roncesvall­es.

“Meu objetivo é tornar o mundo todo consciente do que está acontecend­o nas Filipinas”, disse o frade à Folha quando organizou a exposição de fotos. MISSÃO O religioso afirma que sentiu que era sua missão combater a política de Duterte em julho do ano passado, quando as famílias das vítimas começaram a procurar a ordem para pedir socorro e apoio.

“Com a divulgação das imagens de crueldade, não queremos ferir as pessoas. Mas todos precisam entender que a saúde espiritual inclui enfrentar os problemas. As Filipinas estão sofrendo uma intensa e flagrante violação dos direitos humanos.”

Em maio, em reunião da ONU sobre direitos humanos, o país foi criticado por 45 países-membros pela violência policial e pela decisão de retomar a pena de morte no país (a lei foi aprovada na Câmara e tramita no Senado).

Duterte, que se elegeu prometendo matar mais de 100 mil traficante­s e viciados, tem atacado publicamen­te os críticos da guerra às drogas.

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Reprodução/Facebook Frei Jun percorre caminho de Santiago de Compostela, rota de peregrinaç­ão na Espanha

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